TJDFT. O transporte de pessoas e a culpa de terceiro (art. 735 do CC/2002). Interpretação. Sobre o tema, responsabilidade civil em face do fato de terceiro, embora se referindo a contrato de transporte, penso que, “mutatis mutandis”, a doutrina conforme Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª edição, Malheiros Editores, 2004, pág. 303/304, ensina que: “O fato exclusivo de terceiro. Por terceiro deve-se entender alguém estranho ao binômio transportador e passageiro; qualquer pessoa que não guarde nenhum vínculo jurídico com o transportador, de modo a torná-lo responsável pelos seus atos, direta ou indiretamente, com o empregador em relação ao empregado, o comitente em relação ao preposto etc. O art. 17 do Decreto n. 2.681/1912 não cogitava do fato de terceiro, o que levou alguns autores a sustentar não ser ele causa excludente da responsabilidade do transportador. “O fato de terceiro – pondera o insigne Aguiar Dias – não exclui a sua responsabilidade (do transportador); apenas lhe dá direito de regresso contra o causador do dano (…) assim, qualquer que seja o fato de terceiro, desde que não seja estranho à exploração, isto é, desde que represente risco envolvido na cláusula de incolumidade, a responsabilidade do transportador é iniludível, criando, entretanto, o direito de regresso em favor do transportador sem culpa no desastre (ob. Cit. V. 1/239). A Súmula n. 187 do colendo Supremo tribunal Federal enveredou-se pelo mesmo caminho, ao dizer: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. Essa Súmula foi positivada pelo novo Código Civil, transformando-se no texto de seu art. 735. Note-se, entretanto, que o referido artigo, tal como a Súmula que lhe serviu de texto, só fala em culpa de terceiro, e não em dolo. Assim, por exemplo, ainda que o acidente entre um ônibus e um caminhão tenha decorrido da imprudência do motorista deste último, ao invadir a contramão de direção, as vítimas que viajavam no coletivo deverão se voltar contra a empresa transportadora. O fato culposo do motorista do caminhão não elide a responsabilidade da empresa transportadora. Este era o sentido da Súmula: e, agora, do art. 735 do Código. E assim se tem entendido porque o fato culposo de terceiro se liga ao risco do transportador, relaciona-se com a organização do seu negócio, caracterizando o fortuito interno, que não afasta a sua responsabilidade, conforme vimos há pouco. Tal já não ocorre, entretanto, com o fato doloso de terceiro, conforme temos sustentado. Este não pode ser considerado fortuito interno porque, além de absolutamente imprevisível e inevitável, não guarda nenhuma ligação com os riscos do transportador; é fato estranho à organização do seu negócio, pelo qual não pode responder. Por isso, a melhor doutrina caracteriza o fato doloso de terceiro, vale dizer, o fato exclusivo de terceiro, como fortuito externo, com o que estamos de pleno acordo. Ele exclui o próprio nexo causal, equiparável à força maior, e, por via de conseqüência, exonera a responsabilidade do transportador. O transporte, em casos tais, não é causa do evento; é apenas a sua ocasião. E mais: após a vigência do Código do Consumidor, esse entendimento passou a ter base legal, porquanto, entre as causas exonerativas da responsabilidade do prestador de serviços, o § 3º, II, do art. 14 daquele Código incluiu o fato exclusivo de terceiro”. Continua o Autor, págs. 304/306: “Arremesso de pedra contra trem ou ônibus e assalto no curso da viagem. Tornou-se freqüente nos grandes centros urbanos o arremesso de pedra contra trem ou ônibus, ferindo e até matando passageiros. Os assaltos também proliferam no curso da viagem, deixando os passageiros despojados dos seus bens, quando não se transformam em tragédias e morte. Que responsabilidade tem o transportador por tais eventos? Inicialmente, a jurisprudência, embora vacilante, obrigava o transportador a indenizar as vítimas, fundada na Súmula n. 187 do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido os RE 70.400-SP (rel. Min. Amaral Santos), 113.555-7 (rel. Min. Carlos Madeira) etc. Este último tem a seguinte ementa: “Responsabilidade civil – Dano sofrido em transporte coletivo, do qual resultou morte de passageiro – Fato de terceiro. Impede o verbete n. 187 da Súmula do Supremo tribunal Federal possa o transportador esquivar-se da responsabilidade pelo acidente se a culpa é presumida e constitui risco empresarial consagrado no Direito Brasileiro desde a Lei n. 2.681/12″. Embora a ementa não indique, a espécie consistia em haver um terceiro arremessado uma pedra no ônibus em que viajava a vítima, que, atingida, veio a falecer. Foi voto vencido nesse julgamento o Min. Aldir Passarinho, por entender que estava caracterizado o caso fortuito. Com o correr do tempo a jurisprudência foi-se firmando no sentido do voto vencido, sob a consideração de que o fato exclusivo de terceiro, mormente quando doloso, caracteriza o fortuito externo, inteiramente estranho aos riscos do transporte. Não cabe ao transportador transformar o seu veículo em carro blindado, nem colocar uma escolta de policiais em cada ônibus para evitar os assaltos. A prevenção de atos dessa natureza cabe ao Estado, inexistindo fundamento jurídico para transferi-la ao transportador. Essa é, sem dúvida, a posição jurídica tecnicamente mais correta, que já vinha sendo adotada pela Suprema Corte quando era competente para julgar a matéria, e que foi esposada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do RE 99.978-7, do qual foi relator o Min. Djaci Falcão, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal assim se posicionou: “Responsabilidade civil – Assassinato de passageiro, em virtude de assalto praticado por desconhecidos, num trem da REFESA durante a viagem – Ato de terceiro equiparável a caso fortuito – Inevitabilidade do fato e ausência de culpa do transportador – Incidência de obstáculo previsto no art. 325, inciso V, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – Argüição de relevância rejeitada – Inocorrência de divergência da Súmula n. 187 do Supremo Tribunal Federal, por inexistir o nexo de causalidade entre o acidente e o transporte” (revista Amagis XI/503). No colendo Superior Tribunal de Justiça, competente para o julgamento da matéria em grau de recurso especial, merece destaque o v. acórdão da sua 3ª Turma prolatado no Resp 13.351-RJ, do qual foi relator o eminente Min. Eduardo Ribeiro: “Responsabilidade civil – Estrada de ferro – Lesões em passageira, atingida por pedra atirada do exterior da composição. O fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportador é aquele que com o transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento. O mesmo não se verifica quando intervenha fato inteiramente estranho, devendo-se o dano a causa alheia ao transporte em si. A prevenção de atos lesivos, de natureza do que se cogita na hipótese,c abe à autoridade pública, inexistindo fundamento jurídico para transferir a responsabilidade a terceiros”. O v. acórdão,d e rara erudição, fundou-se na melhor doutrina, a que faz distinção entre o fortuito interno e o externo, aplicando-a com segurança e felicidade, como se vê deste trecho da sua fundamentação: “O fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportador é aquele que com o transporte guarde conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento. Assim, os precedentes que deram origem ao enunciado em exame (Súmula n. 187 do Supremo Tribunal Federal), referentes a choques com outros veículos. Não haverá exclusão da responsabilidade em virtude de o dano haver ocorrido por culpa do outro envolvido no acidente. A mesma solução não se há de emprestar quando intervenha um fato inteiramente estranho. É o que sucede havendo, por exemplo, um atentado ou um assalto. O dano deve-se a causa alheia ao transporte em si. Tem-se hipótese que se deve equiparar ao fortuito, excluindo-se a responsabilidade” (…)”.
Fonte: www.cc2002.com.br