Por Sérgio Bermudes, Marcio Vieira Souto Costa Ferreira, Frederico Ferreira e André Tavares.
Muito recentemente, em 19 de junho de 2012, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 474, na qual restou definido que “A indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial do beneficiário, será paga de forma proporcional ao grau da invalidez”. Esse importante entendimento, harmoniza-se com três outras súmulas específicas sobre o Seguro DPVAT. São essas as Súmulas 405, 426 e 470, que tratam, respectivamente (a) do prazo extintivo (prescrição) trienal à pretensão de recebimento do Seguro DPVAT; (b) do termo a quo de incidência de juros nas obrigações, fixadas judicialmente, de pagar a indenização do Seguro DPVAT; e (c) da ilegitimidade do Ministério Público para propor ações civis públicas cujo objeto refira-se ao recebimento da indenização do Seguro DPVAT. Ressalte-se, nesse contexto, que o enunciado da Súmula 246 do Superior Tribunal de Justiça, de forma coerente e complementar às referidas súmulas, prevê que “O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada”.
É fundamental a percepção de que o conjunto de enunciados acima estabelecidos compõe-se como verdadeiro sistema sumular a respeito do Seguro DPVAT, o que, mais do que exprimir a interpretação do Superior Tribunal de Justiça a respeito da legislação aplicável ao Seguro DPVAT para fins de nortear os tribunais da Federação, serve para delimitar aspectos fundamentais resultantes da definição da natureza jurídica do Seguro DPVAT.
A Súmula 405 sedimentou o conceito de que a natureza jurídica do Seguro DPVAT é a de seguro de responsabilidade civil obrigatório. No REsp 1.071.861/SP, afetado ao rito de julgamento de recursos repetitivos, o ministro Fernando Gonçalves, com muita propriedade, pronunciou o voto vencedor no sentido de que “Feitas essas considerações, é possível concluir que o DPVAT exibe a qualidade de seguro obrigatório de responsabilidade civil e, portanto, prescreve em 3 anos a ação de cobrança intentada pelo beneficiário”.
A 2ª Sessão Cível, ao julgar o REsp 1.098.365/PR e o REsp 1.120.615/PR, cuja relatoria coube ao eminente ministro Luís Felipe Salomão, ambos sob o rito de que trata o artigo 543-C do Código de Processo Civil, definiu que “… em se tratando de responsabilidade contratual, como no caso do DPVAT, os juros de mora são devidos a contar da citação, e não a partir do recebimento a menor na esfera administrativa”. Os referidos precedentes conduziram ao disposto na Súmula 426 do Superior Tribunal de Justiça. Daí se constata o caráter contratual da relação jurídica havida entre segurado e seguradora, a despeito de algumas outras teorias que, equivocadamente, consideram o Seguro DPVAT como o resultado de uma contribuição de contornos tributários.
Ao editar o enunciado da Súmula 470, o Superior Tribunal de Justiça deixou claro que “O fato de a contratação do seguro ser obrigatória e atingir a parte da população que se utiliza de veículos automotores não lhe confere a característica de indivisibilidade e indisponibilidade, nem sequer lhe atribui a condição de interesse de relevância social a ponto de torná-la defensável via ação coletiva proposta pelo Ministério Público.” (REsp 858.056/GO, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, e. 4ª Turma, j. em 11.06.08, p. DJe 04.08.08).
Em análise ao precedente, a conclusão a que se chega, inelutavelmente, é a de que o Seguro DPVAT¾ em que pese ser um seguro obrigatório ¾ baseia-se em relações eminentemente privadas, mantidas entre o proprietário de veículo automotor, como estipulante, os beneficiários e a seguradora (ainda que esta se apresente sob a forma de um consórcio), em termos de divisibilidade e disponibilidade. Essa realidade afasta eventuais alegações no sentido de que os recursos movimentados no Seguro DPVAT teriam a natureza pública.
Impõe-se induvidoso o reconhecimento sumulado, pelo Superior Tribunal de Justiça, de que a indenização do Seguro DPVAT concernente à invalidez permanente, se parcial, deve observar a proporcionalidade, nos termos da Súmula 474, sendo certo, inclusive, que é aplicável a todos os sinistros, anteriores e posteriores às alterações trazidas pela Lei 11.945/2009. Esse conceito reforça a ideia de que o Seguro DPVAT é seguro de responsabilidade civil, a ser tratado segundo a lógica do princípio geral indenizatório, conforme o qual “A indenização mede-se pela extensão do dano” (CC, art. 944). Esse entendimento, se utilizado conjuntamente com o disposto na Súmula 246, também da Corte, remete à função reparatória do Seguro DPVAT, que, por isso mesmo, tem o seu pagamento dedutível do montante da indenização do seguro de responsabilidade civil que houver sido contratado pelo autor do dano.
Vê-se, portanto, que uma reflexão mais aprofundada a respeito do disposto nas súmulas do Superior Tribunal de Justiça que cuidam do Seguro DPVAT faz com que se conheça e se compreenda melhor esse seguro de elevada penetração social. As súmulas (a) revelam a natureza do seguro de responsabilidade civil obrigatório; (b) determinam que esse seguro instrumentaliza-se por um contrato, imposto por lei; e (c) esclarecem que tem índole eminentemente privada. Esses elementos de constituição ajudam, sem sombra de dúvidas, a resolver uma série de questões práticas atinentes ao Seguro DPVAT, que, se corretamente entendido e operado, tornará eficaz a cobertura prestada à totalidade da população brasileira.
Sérgio Bermudes é advogado e professor de Direito Processual Civil da PUC do Rio de Janeiro
Marcio Vieira Souto Costa Ferreira é advogado.
Frederico Ferreira é advogado.
André Tavares é advogado.
Revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2012