O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.
Tal direito estabelece que, mesmo que o fato tenha alcançado relevância em determinado momento, ele não será novamente veiculado ao público em geral, evitando novos aborrecimentos.
O direito ao esquecimento tem como princípios norteadores a dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade, previstos respectivamente nos artigos 1º III e 5º, X da CF.
Com o advento da Internet, muitos fatos são eternizados, trazendo consequências infindáveis aos seus participantes.
Por mais graves que sejam os fatos, as pessoas que o realizaram certamente foram punidas através de um processo judicial ou ainda pela rejeição da sociedade que de forma muito eficaz consegue afastar essas pessoas do convívio social.
Nos últimos meses vivenciamos um exemplo clássico envolvendo uma torcedora do Grêmio que foi flagrada pelas câmeras de uma emissora de televisão praticando atos de injúria racial em face do goleiro Aranha do time Santos.
A torcedora em apreço realizou um ato repugnante aos olhos da sociedade e também aos olhos da justiça, tanto é que já vem respondendo ao inquérito policial.
A pena por crime de injúria racial tem previsão de pena máxima de três anos, porém a pena imposta pela sociedade ao se lembrar do fato jamais acabará, pois como dito anteriormente o fato é repugnante.
Continuando na análise do caso em questão, toda vez que uma emissora de televisão falar sobre injuria racial a atletas, trará à tona a imagem da torcedora flagrada no jogo do Grêmio e ela jamais poderá se esquecer do fato e principalmente dos tormentos que lhe causaram.
Essas imagens podem ser exibidas hoje ou ainda daqui há 20 (vinte) anos e sempre farão com que a sociedade fique com repulsa àquela pessoa, que já foi penalizada, porém nunca esquecida.
Nestes termos, o DIREITO AO ESQUECIMENTO pode ser evocado e a pessoa, neste caso a torcedora, pode ingressar com uma ação judicial para que os órgãos de imprensa se abstenham de veicular sua imagem ou ainda citar o seu nome ligado ao fato repugnante.
O STJ, ao analisar o tema, possui dois julgados recentes, que afirmaram que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013).
Ainda, em março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, foi aprovado um enunciado nº 531 defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana.
Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Apesar de tais enunciados não terem força cogente (obrigatória), trata-se de uma importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais do Direito.
Ora, percebe-se que as pessoas possuem o direito de serem esquecidas pela opinião pública e até pela imprensa. Os atos que praticaram no passado distante não podem ecoar para sempre, como se fossem punições eternas.
O reconhecimento da existência do direito de esquecimento parece óbvio, contudo, há quem diga que tal direito esbarra nos direitos de informação, liberdade de expressão e imprensa.
Sem dúvida nenhuma, o principal ponto de conflito quanto à aceitação do direito ao esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação.
Neste diapasão, o STJ estabeleceu que deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação. Se ainda persistir, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia. É o caso, por exemplo, de “crimes genuinamente históricos” – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo (Min. Luis Felipe Salomão).
Por outro lado, se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado.
Como assevera o Min. Gilmar Ferreira Mendes:
“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374).
Atualmente, a internet é o maior obstáculo do direito ao esquecimento, já que a rede mundial de computadores praticamente eterniza as notícias e informações. Com poucos cliques é possível ler reportagens sobre fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotos e vídeos. Esses dados são rapidamente espalhados e ficam armazenados em servidores espalhados ao redor do mundo, muitos em países que não mantêm tratados internacionais de cooperação judiciária, o que compromete sua supressão.
Diante disso, nos dias atuais, é pouco provável garantir, na prática, o direito ao esquecimento na internet. Em outros termos, depois que algo “caiu na rede”, é impossível retirá-lo.
Apesar de todos os obstáculos e conflitos principiológicos, impõe-se que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada.
Esse princípio é de extrema importância, na medida em que as pessoas precisam ser ressocializadas e reintegradas na sociedade.
#DuDicaDeLeitura
A 4ª Turma do STJ enfrentou o tema direito ao esquecimento em dois casos recentes:
• A situação da “chacina da Candelária” (REsp 1.334.097): http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj.pdf
• O caso “Aída Curi” (REsp 1.335.153): http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj-aida.pdf