Venda de ascendente a descendente. Art. 496 do CC/2002.

TJSC. Compra e venda. Disposições gerais. Art. 496 do CC/2002. Venda de ascendente a descendente. Objetivo da norma. Assim é que 496 de nosso Código tem o objetivo de evitar uma simulação, ou seja, a doação de bens (móveis ou imóveis) aos filhos, sob forma de venda, para que os beneficiários não tivessem que trazer o bem à colação, com a morte dos pais, para efeito de igualar as legítimas dos herdeiros. O disfarce ou fraude é minimizado com a exigência de concordância expressa dos demais descendentes e do cônjuge do vendedor. Essa anuência é indispensável para que a venda se realize. Inclui-se na proibição, além da venda, propriamente dita, a promessa de compra e venda, a dação em pagamento e a troca ou permuta de valores desiguais (O Contrato de Doação- análise crítica do atual sistema jurídico e os seus efeitos no Direito de Família e das Sucessões. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p.73).

Integra do acórdão

Acórdão: Apelação Cível n. 2010.052177-0, de Balneário Camboriú.
Relator: Des. Ronei Danielli.
Data da decisão: 09.02.2012.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO ONEROSA DE IMÓVEL CELEBRADO ENTRE MÃE E FILHA, SEM A ANUÊNCIA DOS DEMAIS. ATO JURÍDICO ANULÁVEL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 496 DO CÓDIGO CIVIL. PRAZO DECADENCIAL QUE DEVE SER CONTADO A PARTIR DA CONCLUSÃO DO ATO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.052177-0, da comarca de Balneário Camboriú (1ª Vara Cível), em que é apelante Stela Maria Werner Compiani, e apelada Marisa Werner Compiani Puccini, Carlos Alberto Compiani e Antônio Carlos Compiani: 
A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais. 
O julgamento, realizado em 02.02.2012, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jaime Luiz Vicari, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Stanley da Silva Braga. 

Florianópolis, 09 de fevereiro de 2012. 

Ronei Danielli 
RELATOR 

RELATÓRIO 
Marisa Werner Compiani Puccini, Carlos Alberto Compiani e Antônio Carlos Compiani promoveram, perante a 1ª Vara Cível da comarca de Balneário Camboriú, ação de anulação de ato jurídico em face de Stella Maria Werner Compiani e Stela Maria Werner Compiani. 
Para tanto, alegaram que a primeira demandada, mãe dos autores e da segunda demandada, cedeu onerosamente imóvel exclusivamente à última, em prejuízo dos demais filhos e sem suas expressas anuências. Requereram, ao final, a anulação do instrumento particular de cessão onerosa dos direitos sobre o bem em questão, sob o argumento da invalidade do negócio jurídico praticado sem a concordância dos demais descendentes da cedente. 
A sentença julgou procedente o pedido dos autores, “para anular e tornar sem efeito o instrumento particular de fls. 20/21, que trata da transferência/cessão de imóvel à descendente sem anuência dos demais” (fl.125), condenando as demandadas ao pagamento proporcional das custas e honorário do patrono dos autores, fixado em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais). 
Irresignada, Stela Maria Werner Compiani, segunda requerida, apelou, apresentando os seguintes fundamentos: a) há que ser reconhecida a prescrição que, insiste, passou a ser a de dois anos a contar da data da conclusão do negócio jurídico inválido; b) a invalidade da manifestação de sua mãe nos autos do processo, bem como a juntada por esta promovida de um testamento particular, supostamente datado de 2002, em razão de sua revelia. 
Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça. 
Esse é o relatório. 

VOTO 
Trata-se de recurso de apelação, pretendendo a reforma da decisão que reconhece e declara a invalidade do instrumento de cessão onerosa de direitos entre ascendente e descendente, sem a anuência dos demais. 
Razão, contudo, não assiste à apelante. 
Em que pese o fato de ter argumentado a filha Stela que sua mãe sempre ajudou os demais filhos, já tendo transferido outros bens aos demais descendentes, inclusive netos, em momento algum negou ou trouxe aos autos prova de que houve realmente um negócio jurídico a título oneroso entre ascendente e descendente. 
Ao contrário, a única tese jurídica trazida à apreciação do Poder Judiciário, afora à prescrição, diz respeito à isonomia e à igualdade de tratamento entre os filhos, admitindo-se, desde logo, que a mãe resolvera “fazer justiça”, dando à apelante o referido imóvel. 
Registre-se, em tempo, que o meio adequado e devidamente regulado pela legislação civil para igualar as legítimas dos herdeiros necessários é a colação, podendo, entretanto, o ascendente doar em vida a quaisquer descendentes sem prejuízo dos demais. 
O que se combate é a realização de negócios a título oneroso como forma de encobrir doações justamente porque na compra e venda, na cessão onerosa, na permuta, entre outros, não haverá obrigação de colacionar na abertura da sucessão, tornando perene o desequilíbrio entre os sucessores. 
Ao admitir que a mãe objetivava “compensar” a filha Stela, a apelante assume o caráter gratuito do negócio celebrado. 
Dessa forma, percebe-se que a questão corresponde à presunção legal de que todo negócio oneroso realizado entre ascendente e descendente, sem a autorização dos demais, pode servir para encobrir doação de todo ou de parte do patrimônio do ascendente sem que se proceda a sua colação na abertura da sucessão do doador, em evidente prejuízo à legítima dos demais herdeiros necessários. 
Note-se que sobre as disposições onerosas realizadas de pai para filho, o Código Civil atual, em seu artigo 496 (antigo artigo 1.132 do Código de 1916) submete a validade do ato à autorização de todos os demais filhos, procurando evitar qualquer espécie de simulação que viesse a burlar a proteção da legítima dos herdeiros necessários. Isso porque o imóvel, como no caso em exame, que saiu do patrimônio da mãe, justificado a partir de negócio a título oneroso – venda, permuta, empréstimo, cessão, entre outros – não se sujeita à colação, tampouco diminui a cota disponível do ascendente, fragilizando a norma cogente de proteção de metade, pelo menos, do patrimônio da pessoa que possui herdeiros necessários. 
Assim é que 496 de nosso Código tem o objetivo de evitar uma simulação, ou seja, a doação de bens (móveis ou imóveis) aos filhos, sob forma de venda, para que os beneficiários não tivessem que trazer o bem à colação, com a morte dos pais, para efeito de igualar as legítimas dos herdeiros. O disfarce ou fraude é minimizado com a exigência de concordância expressa dos demais descendentes e do cônjuge do vendedor. 
Essa anuência é indispensável para que a venda se realize. 
Inclui-se na proibição, além da venda, propriamente dita, a promessa de compra e venda, a dação em pagamento e a troca ou permuta de valores desiguais (O Contrato de Doação- análise crítica do atual sistema jurídico e os seus efeitos no Direito de Família e das Sucessões. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p.73). 
Conforme constatado, o atual Diploma Civil, pondo fim à histórica discussão concernente à nulidade ou anulabilidade do referido ato, torna cristalina a sua opção pela a tese da anulabilidade e, a partir dela, evidenciada a necessidade de observância do prazo decadencial consentâneo. 
Com efeito, poder-se-ia cogitar, in casu, da nulidade do contrato de cessão onerosa, uma vez que simula a compra e venda entre ascendente e descendente, não se sujeitando, na espécie, a prazo decadencial ou prescricional algum. 
A exemplo do que se afirmou, colaciona-se precedente do Tribunal de Justiça Gaúcho, concernente à anulação de cessão onerosa celebrada entre pai e filha: 
AÇÃO ANULATÓRIA. TRANSFERÊNCIA E CESSÃO ONEROSA DE DIREITOS HEREDITÁRIOS FEITAS PELO PAI A UMA DAS FILHAS. SIMULAÇÃO DE VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE. INVALIDADE. EMBORA EXISTA CORRENTE DOUTRINÁRIA QUE SUSTENTE A EFICÁCIA DE NEGÓCIO ENTRE PAI E FILHO, SEM ASSENTIMENTO DE OUTRO, DESDE QUE VÁLIDO O CONTRATO, IMPÕE-SE DECLARAR A NULIDADE DO ATO, POIS EXPRESSA A COIBIÇÃO DE VENDA DE ASCENDENTE PARA O DESCENDENTE, SEM ACATAMENTO DE OUTRO PORVINDOURO (CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 1.132). PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70000484667, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 26.04.2000). 
De outro lado, caso prevaleça a tese de anulabilidade por considerar-se a cessão onerosa idêntica à compra e venda, o que se afigura mais razoável, ainda que adotado o prazo previsto no atual artigo 179 do Código Civil vigente, de dois anos a contar da conclusão do ato, indiscutível que por “conclusão do ato” deve-se compreender a efetivação da transferência atacada. Até mesmo porque somente nesse momento se alcança a ciência inequívoca da realização do negócio jurídico inválido. 
No caso em exame, tomada a data da transferência no Registro Imobiliário do referido apartamento como parâmetro de conclusão do ato – 07.11.2006, percebe-se nitidamente que a presente ação fora proposta em plena fluência do lapso mencionado – 09.11.2006. 
Por fim, ainda que se pudesse cogitar da validade do negócio praticado entre mãe e filha, imprescindível seria a farta comprovação de que a cessão realmente ocorreu na forma onerosa, tendo sido pago preço justo e adequado pela cessionária do bem. Sem a cabal demonstração da veracidade do negócio, a invalidade é pena que se impõe. 
Pelos fatos e fundamentos expostos, percebe-se que a compra e venda, assim como a cessão onerosa, obedece os critérios legais de validade – agente capaz, objeto lícito e forma prescrita, além da evidente boa-fé da alienante, sendo que o objeto da anulação deve recair tão somente sobre o contrato de cessão onerosa, verdadeiro simulacro de uma doação do imóvel da mãe para um único filho, repercutindo, por esse motivo, exclusivamente no âmbito familiar, sem atingir direitos de terceiros, sobretudo os de boa-fé. 
No mais, mantém-se a condenação nas custas processuais e honorários advocatícios. 
Esse é o voto.

Fonte: www.cc2002.com.br

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