STJ reconhece amplitude do conceito de consumidor em casos especiais.

Fonte: Migalhas

Direito do consumidor

STJ reconhece amplitude do conceito de consumidor em casos especiais

O STJ admitiu a ampliação do conceito de consumidor a uma pessoa que utilize determinado produto para fins de trabalho e não apenas para consumo direto. Com tal entendimento, a 3ª turma negou provimento a recurso especial interposto pela Marbor Máquinas Ltda., de Goiás, que pretendia mudar decisão de primeira instância. A decisão beneficiou uma compradora que alegou ter assinado, com a empresa, contrato que possuía cláusulas abusivas.

A consumidora, Sheila de Souza Lima, ajuizou ação judicial pedindo a nulidade de determinadas cláusulas existentes em contrato de compra e venda firmado com a Marbor para aquisição da determinada máquina, mediante pagamento em vinte prestações mensais. O acórdão de primeira instância aceitou a revisão do contrato da compradora, de acordo com a aplicabilidade do CDC (clique aqui).

Mas, ao recorrer ao STJ, a Marbor alegou que não se configura como relação de consumo um caso em que o destinatário final adquire determinado bem para utilizar no exercício da profissão, conforme estabelece o CDC. Argumentou, ainda, que de acordo com o CPC, a ação deve ser julgada no foro eleito pelas partes – uma vez que, no contrato firmado, foi eleito o foro da comarca de São Paulo/SP – para dirimir eventuais controvérsias da referida relação contratual, e não a comarca de Goiânia/GO – onde correu a ação.

Amplitude

Ao proferir seu voto, a ministra relatora do recurso no âmbito do STJ, Nancy Andrighi, considerou que embora o tribunal tenha restringido anteriormente o conceito de consumidor à pessoa que adquire determinado produto com o objetivo específico de consumo, outros julgamentos realizados depois, voltaram a aplicar a tendência maximalista. Dessa forma, agregaram novos argumentos a favor do conceito de consumo, de modo a tornar tal conceito “mais amplo e justo“, conforme destacou.

A ministra enfatizou, ainda, que “no processo em exame, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada sua vulnerabilidade econômica“.

Por conta disso, a relatora entendeu que, no caso em questão, pode sim ser admitida a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, “desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica” da pessoa. Os ministros que compõem a 3ª turma acompanharam o voto da relatora e, em votação unânime, negaram provimento ao recurso da empresa Marbor.

  • Processo Relacionado : Resp 1010834 – clique aqui.

______________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.010.834 – GO (2007/0283503-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MARBOR MÁQUINAS LTDA

ADVOGADO : JOSE ROBERTO CAMASMIE ASSAD E OUTRO(S)

RECORRIDO : SHEILA DE SOUZA LIMA

ADVOGADO : VALÉRIA DE BESSA CASTANHEIRA LEÃO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO.

1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor.

2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.

3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica.

4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro.

5. Negado provimento ao recurso especial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 03 de agosto de 2010 -Data do Julgamento

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial, interposto por MARBOR MÁQUINAS LTDA, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional. Ação: declaratória de nulidade de cláusulas contratuais, ajuizada por SHEILA DE SOUZA LIMA, em face da recorrente. Na inicial, a recorrida alegou que firmara com a recorrente contrato de compra e venda de máquina de bordar, dividido em 20 (vinte) prestações mensais e que esse contrato possuia cláusulas abusivas. Requereu o reconhecimento da nulidade de cláusulas contratuais e a repetição do indébito. A recorrente arguiu exceção de incompetência do Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Goiânia/GO, pois, no contrato firmado entre as partes, foi eleito o foro da Comarca de São Paulo/SP, para dirimir eventuais controvérsias oriundas da relação contratual. Decisão interlocutória: acolheu a exceção de incompetência e determinou a remessa dos autos a uma das varas cíveis da Comarca de São Paulo/SP.

Acórdão: deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrida, nos termos da seguinte ementa:

Agravo de Instrumento. Exceção de Incompetência. Ação de Revisão de Contrato. Relação de Consumo. Configuração. Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade. Foro de eleição.A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais (Ato nº 135 – Art. 6º e Ato nº 172 – Art. 5º)

1- Configura-se relação de consumo quando o destinatário final fático adquire o bem ou serviço para utilizá-lo no exercício de profissão.

2- Constitui contrato de adesão aquele pré-redigido, em que o estipulante se outorga todas as facilidades em detrimento do aderente, de quem são retiradas as vantagens e a quem são carreados todos os ônus derivados do contrato, sem prévia discussão sobre o conteúdo.

3- O foro de eleição, nos contratos de adesão, não pode prevalecer se configurar verdadeiro entrave de acesso ao Poder Judiciário pela parte aderente, devendo assim, a cláusula que o institui ser considerada abusiva e declarada nula.Agravo conhecido e provido, à unanimidade de votos.. (fl. 88)Embargos de declaração: foram rejeitados (fls. 111/120).Recurso especial: aponta dissídio jurisprudencial e negativa de vigência: (i) dos arts. 2º, 3º e 54, do CDC, pois não se configura a relação de consumo quando o destinatário final adquire o bem para utilizá-lo no exercício da profissão;

(ii) dos arts. 94, 100 e 111 do CPC, porque a ação deve ser julgada no foro eleito pelas partes, previsto em cláusula contratual. Prévio juízo de admissibilidade: após a apresentação das contrarrazões do recorrido (fls. 168/177), foi o recurso especial inadmitido na origem (fls. 179/180). Interposto agravo de instrumento pela recorrente, dei-lhe provimento e determinei a subida do presente recurso especial.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso especial cuja lide diz respeito à amplitude do conceito de consumidor para o fim de se declarar a nulidade da cláusula de eleição de foro.

I – Do conceito de consumidor (violação dos arts. 2º, 3º e 54, do CDC, e dissídio jurisprudencial).

Especificamente, a hipótese versa sobre pessoa física que adquiriu máquina de bordar para desenvolver atividade profissional. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor, sedimentando seu entendimento nos termos da seguinte ementa:

COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE.

A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais (Ato nº 135 – Art. 6º e Ato nº 172 – Art. 5º)Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. Nesse julgamento, eu e os Ministros Pádua Ribeiro, Humberto Gomes de Barros e Castro Filho manifestamos expressa predileção pela teoria maximalista ou objetiva, sendo que a tese vencedora recebeu apenas cinco dos nove votos.De acordo com esse julgado, o conceito de consumidor ficou restrito,alcançando apenas a pessoa física ou jurídica que adquire o produto no mercado a fim de consumi-lo. Em outras palavras, o consumidor foi conceituado como o destinatário final no sentido econômico, ou seja, aquele que consome o bem ou o serviço sem destiná-lo à revenda ou ao insumo de atividade econômica. Evoluindo sobre o tema, analisando hipótese análoga ao presente processo, a jurisprudência do STJ, no julgamento do REsp 1.080.719/MG, de minha relatoria, 3ª Turma, DJe 17/08/2009, flexibilizou o entendimento anterior para considerar destinatário final quem usa o bem em benefício próprio, independentemente de servir diretamente a uma atividade profissional:

Processo civil e Consumidor. Rescisão contratual cumulada com indenização. Fabricante. Adquirente. Freteiro. Hipossuficiência. Relação de consumo. Vulnerabilidade. Inversão do ônus probatório.Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire produto como destinatário final econômico, usufruindo do produto ou do serviço em beneficio próprio. Excepcionalmente, o profissional freteiro, adquirente de caminhão zero quilômetro, que assevera conter defeito, também poderá ser considerado consumidor, quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência quer fática,técnica ou econômica.Nesta hipótese esta justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, otadamente a concessão do benefício processual da inversão do ônus da prova.Recurso especial provido.Não obstante a Segunda Seção tenha balizado o conceito de consumidor, novos julgados voltaram a aplicar a tendência maximalista, agregando novos argumentos a favor de um conceito de consumidor mais amplo e justo. Entre eles, consigne-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA. SERVIÇO PÚBLICO. INTERRUPÇÃO.INCÊNDIO NÃO CRIMINOSO. DANOS MATERIAIS.EMPRESA PROVEDORA DE ACESSO À INTERNET.CONSUMIDORA INTERMEDIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONFIGURADA. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE NÃO CARACTERIZADA. ESCOPO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. No que tange à definição de consumidor, a Segunda Seção desta Corte, ao julgar, aos 10.11.2004, o REsp nº 541.867/BA, perfilhou-se à orientação doutrinária finalista ou subjetiva, de sorte que, de regra, o consumidor intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se enquadra na definição constante no art. 2º do CDC. Denota-se, todavia, certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.

(…).

7. Recurso Especial não conhecido. (REsp 660026/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª Turma, DJ de 27/06/2005)

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL.CONCEITO DE CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA.EXCEPCIONALIDADE. NÃO CONSTATAÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. FORO DE ELEIÇÃO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. REJEIÇÃO.

A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC.

(…)

Recurso especial não conhecido. (REsp 684.613-SP, de minha relatoria, 3ª Turma, DJ de 01/07/2005) Com esse novo entendimento, houve um significativo passo para o reconhecimento de não ser o critério do destinatário final econômico o determinante para a caracterização de relação de consumo ou do conceito de consumidor. Ainda que o adquirente do bem não seja o seu destinatário final econômico, poderá ser considerado consumidor, desde que seja constatada a sua hipossuficiência, na relação jurídica, perante o fornecedor.No processo em exame, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica. Dessarte, reconhecida a possibilidade de abrandamento da teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, é de se enquadrar a recorrida na definição constante do art. 2º do CDC.

II – Da nulidade da cláusula de eleição de foro (violação dos arts.94, 100 e 111 do CPC e dissídio jurisprudencial).Em decorrência da ampliação do conceito de consumidor para a hipótese dos autos, passa-se a analisar a validade da cláusula de eleição de foro à luz da legislação consumerista.

Uma vez adotado o sistema de proteção ao consumidor, reputam-se nulas não apenas as cláusulas contratuais que impossibilitem, mas as que simplesmente dificultem ou deixem de facilitar o livre acesso do hipossuficiente ao Judiciário. Dessa feita, é nula a cláusula de eleição de foro que ocasiona prejuízo à parte hipossuficiente da relação jurídica, deixando de facilitar o seu acesso ao Poder Judiciário.

Nesse sentido, registre-se o REsp 669.990/CE, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª Turma, DJ de 11/09/2006, e o CC 48.647/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 2ª Seção, DJ de 05/12/2005, este assim ementado:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CIVIL. CARTA PRECATÓRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ABUSIVIDADE. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. PRECEDENTES.

1. Em se tratando de relação de consumo, tendo em vista o princípio da facilitação de defesa do consumidor, não prevalece o foro contratual de eleição, por ser considerada cláusula abusiva, devendo a ação ser proposta no domicílio do réu, podendo o juiz reconhecer a sua incompetência ex officio.

2. Pode o juiz deprecado, sendo absolutamente competente para o conhecimento e julgamento da causa, recusar o cumprimento de carta precatória em defesa de sua própria competência.

3. Conflito conhecido e declarado competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Cruz Alta – RS, o suscitante. Dessarte, caracterizada, neste processo, a hipossuficiência da recorrida, está plenamente justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE

PROVIMENTO.

É como voto.

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