A evicção ocorre quando uma pessoa que adquiriu um bem, perde a posse ou a propriedade desta coisa, em razão de uma decisão judicial ou de um ato administrativo, que reconhece que um terceiro possuía direitos anteriores, de modo que ele não poderia ter sido alienado.
Após perder a posse ou a propriedade do bem, o adquirente (evicto) deverá ser indenizado pelo alienante por conta deste prejuízo. O fundamento desta indenização está no princípio da garantia. Logo, não interessa discutir se o alienante estava ou não de boa-fé quando vendeu o bem. Mesmo de boa-fé, ele terá a obrigação de indenizar o evicto.
É o entendimento do STJ:
“A evicção consiste na perda parcial ou integral da posse ou da propriedade do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribui o uso, a posse ou a propriedade a outrem, em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição.” (REsp 1.332.112-GO).
Participantes:
Evictor: é o terceiro reivindicante do bem.
Evicto: é o adquirente do bem, que perdeu a ação movida pelo evictor.
Alienante: é o que transferiu o bem ao evicto, e, por isso, deve responder pela evicção, indenizando-o.
A doutrina majoritária aponta os seguintes requisitos:
– Aquisição onerosa do bem (doação não gera direito de indenização no caso de evicção)
– Perda, total ou parcial, da propriedade ou da posse da coisa alienada
– Direito anterior do evictor sobre a coisa (Deve-se analisar o momento em que o terceiro passou a ter direito sobre o bem. Se foi antes da alienação, o alienante responderá pela perda da coisa. Se o direito do evictor surgiu depois da venda, o alienante não deverá pagar indenização ao adquirente)
– Por meio de decisão judicial ou ato administrativo.
QUESTÃO IMPORTANTE: Denunciação da lide
Na maioria dos casos, a evicção ocorre por meio de uma sentença judicial. Assim, normalmente a evicção ocorre da seguinte forma: o evictor propõe uma ação contra o adquirente reivindicando o bem para si. Nesta hipótese, o CPC e o CC determinam que o evicto (réu), no prazo da resposta, convoque o alienante para que este compareça ao processo. Esta convocação deverá ser feita mediante o instituto da “denunciação da lide”. Assim, o evicto (réu) denuncia a lide ao alienante do bem.
O alienante é convocado ao processo, pelo réu, para refutar o direito alegado pelo autor e, para ser condenado, neste mesmo processo, a indenizar o evicto, caso a ação do evictor seja julgada procedente.
Dúvida: É obrigatória a denunciação da lide para que o evicto seja indenizado pela perda do bem?
NÃO. Prevalece no STJ que o direito que o evicto tem de cobrar indenização pela perda do bem NÃO depende, para ser exercitado, de ele ter denunciado a lide ao alienante na ação em que terceiro reivindicou a coisa (STJ. 4a Turma. REsp 1.332.112-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/3/2013).
“A jurisprudência do STJ é no sentido de que o direito do evicto de indenizar-se do pagamento indevido diante do anterior alienante, não se condiciona à denunciação da lide em ação de terceiro reivindicante.” (AgRg no Ag 1323028/GO, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 16/10/2012).
Dessa feita, a falta da denunciação da lide fará apenas com que o réu perca a possibilidade de obter a indenização regressiva do alienante no mesmo processo em que perdeu o bem. No entanto, nada impede que, mesmo sem ter feito a denunciação da lide, o evicto ajuíze uma demanda autônoma contra o vendedor.
Dúvida 2:
João comprou um terreno de Maria, que o havia comprado de Bartolomeu, que o havia comprado de Josefina, que o havia comprado de Manoel. De repente, aparece Gilberto ajuizando uma ação reivindicatória contra João e afirmando que Manoel não poderia ter vendido o terreno porque não lhe pertencia. João decide fazer a denunciação da lide a fim de garantir que seja indenizado caso a ação seja julgada procedente.
Pergunta: quem joão deverá denuncia a lide?
Não há nenhuma dúvida de que João pode denunciar a lide a Maria, considerando que foi ela quem lhe vendeu o bem, ou seja, eles possuem uma relação jurídica entre si. Sendo Maria denunciada, ela poderá fazer a denunciação a Bartolomeu, que poderá fazer a denunciação a Josefina e esta poderá fazer a denunciação a Manoel. Trata-se da chamada “denunciação sucessiva”.
Poderá, no entanto, João denunciar a lide a Manoel mesmo sem que eles tenham qualquer relação jurídica?
O réu poderá fazer a denunciação da lide “pulando, saltando” todas as demais pessoas da cadeia de transmissão? Em outras palavras, o réu poderá fazer a denunciação da lide por salto (per saltum)?
SIM. Há divergência na doutrina, mas prevalece ser possível a denunciação da lide per saltum, tendo ela sido autorizada pelo art. 456 do CC:
Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.
Nesse sentido é o enunciado 29 da I Jornada de Direito Civil:
Enunciado 29-CJF/STJ: Art. 456: a interpretação do art. 456 do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício.
Ainda, vale trazer à baila que, se o adquirente fizer a denunciação da lide ao alienante e este decidir não comparecer nos autos ou não refutar o pedido do evictor, o evicto não precisará prosseguir contestando a ação proposta pelo autor. O adquirente poderá até mesmo concordar com o pedido feito pelo evictor e buscar apenas a indenização a ser paga pelo alienante.
Analisemos este outro caso:
João estava sendo executado judicialmente por Pedro.
Para adimplir o débito, uma sala comercial de João foi vendida em hasta pública e, com os recursos obtidos, Pedro foi pago.
Quem adquiriu o imóvel foi Carlos.
Ocorre que esta sala pertencia, na verdade, a Marcos, que entrou com uma ação reivindicatória.
Por conta disso, Carlos (arrematante) perdeu o imóvel que havia adquirido.
De quem Carlos poderá cobrar a indenização pela evicção?
Resposta: Em primeiro lugar, de João. Somente se este não tiver como pagar a indenização, a demanda será proposta contra Pedro. (Art. 447 CC).
Ademais, em termos gerais, após perder a posse ou propriedade do bem, o evicto possui o direito de receber as seguintes quantias:
a) Restituição integral do preço que pagou, com juros e correção monetária;
b) Indenização pelos frutos que tiver sido obrigado a restituir ao evictor;
c) Indenização pelas benfeitorias necessárias ou úteis não abonadas (art. 453);
d) Indenização pelas despesas do contrato;
e) Reembolso das custas judiciais e honorários advocatícios;
f) Indenização pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção.
O Valor do preço do bem é calculado segundo a data da evicção (e não o dia da aquisição).
No caso das benfeitorias, em princípio, deverão ser pagas pelo evictor. Caso este não pague, o evicto poderá cobrar o valor do alienante.
A situação normalmente acontece da seguinte forma: o evictor ajuíza a ação reivindicando o bem que está com o evicto. Este, na própria contestação, já deverá pedir que o evictor o reembolse pelas benfeitorias úteis e necessárias que fez na coisa.
Se, por algum motivo, o evictor não abonar (reembolsar) o evicto, ele poderá cobrar o valor do alienante, conforme o art. 453 do CC.
Noutro giro, se o evictor pagou ao evicto o valor das benfeitorias que foram realizadas no bem e, e tais benfeitorias foram feitas ainda pelo alienante (e não pelo evicto). Logo, neste caso, o evicto recebeu indevidamente o reembolso das benfeitorias, já que não foi ele quem as custeou. Em se verificando esta situação, o alienante, quando for pagar ao evicto a indenização pela evicção, poderá descontar do valor a quantia recebida pelas benfeitorias.
Se a evicção for parcial, em regra, o evicto será indenizado pela parte da coisa que perdeu e a aquisição da parte que restou continua em vigor. Por exemplo: no caso de um terreno de 300 m2, o evicto será indenizado pelos 50m2 que perdeu, enquanto que os outros 250 m2 continuam com ele normalmente.
Pode acontecer, no entanto, que esta perda parcial seja muito grande, isto é, atinja quase toda a coisa, de forma que se torna economicamente desvantajoso que o evicto permaneça somente com aquela diminuta fração. Em tais hipóteses, a lei entendeu que seria justo conferir ao evicto a escolha entre continuar com esta pequena parte do bem e ser indenizado pelo restante ou, então, ser indenizado pela coisa em sua inteireza, devolvendo a pequena fração que sobrar ao alienante. Ex: Renan vendeu um terreno de 300m2 a Eduardo, que sofreu evicção parcial e perdeu 250m2 da área para um terceiro. Eduardo poderá pleitear indenização pelos 250m2 perdidos e ficar com os 50m2 que restaram. A lei, porém, confere uma outra alternativa a Eduardo: devolver os 50m2 que lhe sobraram, desfazendo a compra e venda, e pedindo a indenização pelos 300m2
De mais e mais, podem as partes renunciar a evicção, conforme dispões o CC:
Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.
Assim, para que o alienante fique totalmente isento de responsabilidade, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
– Deverá haver cláusula expressa excluindo a responsabilidade do alienante pela evicção;
– O adquirente deverá ser informado que existe risco de evicção;
– O adquirente deverá declarar expressamente que aceita correr o risco da evicção que lhe foi informado.
Por fim, segue importante artigo sobre o tema:
Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa.