A Turma Deontológica do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP decidiu, nesta quinta-feira (16/9), que advogados estrangeiros não podem se associar com advogados brasileiros. A turma doutrinária julga apenas casos abstratos. A decisão põe fim às dúvidas levantadas pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa). Na sessão, o advogado Eduardo Teixeira da Silveira foi o único voto divergente. A maioria concluiu que não é possível firmar uma sociedade entre estrangeiros e brasileiros.
O julgamento da consulta começou há 30 dias e teve uma extensa discussão inicial, tanto que Silveira pediu vista. Na sessão desta quinta-feira, ele leu seu voto, no qual defendeu que o advogado que se forma fora do país também exerce a função que os formados e inscritos na OAB, a advocacia. O voto recebeu elogios dos colegas, mas não recebeu apoio.
No voto vencedor, o relator Cláudio Felipe Zalaf argumentou que não há restrição quanto à cooperação intelectual e não há impedimentos para que sociedades brasileiras e estrangeiras se reúnam para realizar trabalho jurídico conjunto para seus clientes no exterior.
O advogado afirma, em seu voto, que a atuação permitida é a legal. Zalaf acredita que atualmente há uma forma “travestida” de ser sócio de escritórios brasileiros. “Se ele for consultor pode, o que não pode é fazer o mesmo cartão, o mesmo site, tirando a individualidade de cada um”, reforça. A advogada Marcia Dutra Lopes Matroni acompanhou o relator.
Ao comentar o voto de Silveira, o advogado Luiz Antonio Gambelli explica que o advogado estrangeiro não é considerado advogado no Brasil. “Há um princípio basilar de que só pode ser sócio dele quem é advogado, que é a diferença entre advogado e bacharel”, justifica. “Ele é um consultor em Direito estrangeiro”, afirma.
Ao comentar o voto divergente, o advogado Fábio de Souza Ramacciotti apontou que estes limites, tal como defendeu Zalaf, poderiam ser muito rígidos. “A única dúvida é quando Zalaf fala da ação a qualquer forma parceria, é uma proibição absoluta. Será que nós podemos fazer isso?”, questiona. “Se tivermos três cooperações que trabalham corretamente, estaremos vedando tudo”, alerta.
O advogado José Eduardo Haddad concorda com o relator: consultor estrangeiro não é advogado. “Não existe proibição expressa, mas simplesmente não há base para se permitir, porque os provimentos são absolutamente fechados sobre essa questão”, garante. Para ele, qualquer associação com sociedade que não pertence ao Brasil não pode ser mantida.
O advogado Gilberto Giusti também parabenizou o voto divergente, porém afirmou que a regulamentação é clara e não dá margem para abrir ou fechar o entendimento. “O tribunal tem que reconhecer o que a legislação já nos apresenta”, finaliza.
Para o presidente da Turma, Carlos José Santos da Silva, a decisão não tem vencidos ou vencedores, porque não há por parte do TED preocupação com a análise de casos concretos, apenas visa responder a consulta sobre uma dúvida ética, além de propiciar, dentro da sua competência, orientação que sirva de baliza ao exercício profissional da advocacia.
A competência para fiscalizar os escritórios é das seccionais, que já vem fazendo esse trabalho. Desde 2002, sociedades de consultores em Direito estrangeiro iniciaram pedido de inscrição na OAB-SP, totalizando atualmente 14 bancas em atuação; sendo que seis delas se registraram nos últimos 18 meses, mostrando o aumento do interesse no Brasil.
Pontos abertos
O que não foi abordado nessa sessão do TED é se parcerias entre estrangeiros e brasileiros são possíveis, e de que forma. Por exemplo: o escritório que fechar contrato com um consultor em Direito estrangeiro, obrigatoriamente, tem de averbar o contrato na OAB. No entanto, se o consultor em Direito estrangeiro não é considerado advogado, por que há a obrigação de se averbar o contrato?
Especialistas afirmam que a necesidade de se associar com estrangeiros parte do próprio cliente que, eventualmente, precisa de um parceiro fora do país, ou até mesmo de empresas estrangeiras que solicitam profissionais de confiança quando vão fechar algum negócio no Brasil.
Desde junho, a OAB-SP, por meio do Comitê de Defesa do Mercado de Trabalho da Advocacia, no âmbito da Comissão de Sociedade de Advogados, vem atuando no sentido de verificar se bancas estrangeiras que mantém acordos de associação ou cooperação com escritórios brasileiros estariam advogando no país com base em brechas na legislação.
O registro das Sociedades de Consultores em Direito Estrangeiro está disciplinado pelo Provimento 91/2000 do Conselho Federal da OAB e pela Instrução Normativa 3/2000 da Comissão de Sociedade de Advogados da OAB-SP. As bancas estrangeiras não podem exercer a advocacia no Brasil, mas apenas prestar consultoria na legislação de seu país de origem.
De acordo com o Provimento 91, para atuar como consultor estrangeiro no país é preciso prestar o seguinte compromisso perante o conselho seccional: “Prometo exercer exclusivamente a consultoria em direito do país onde estou originariamente habilitado a praticar a advocacia, atuando com dignidade e independência, observando a ética, os deveres e prerrogativas profissionais, e respeitando a Constituição Federal, a ordem jurídica do Estado Democrático Brasileiro e os Direitos Humanos”.
Provimento 91/2000
Dispõe sobre o exercício da atividade de consultores e sociedades de consultores em direito estrangeiro no Brasil.
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 54, V, da Lei nº 8.906/94, e tendo em vista o constante do processo 4467/1999/COP,
RESOLVE:
Art. 1º. O estrangeiro profissional em direito, regularmente admitido em seu país a exercer a advocacia, somente poderá prestar tais serviços no Brasil após autorizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, na forma deste Provimento.
§ 1º. A autorização da Ordem dos Advogados do Brasil, sempre concedida a título precário, ensejará exclusivamente a prática de consultoria no direito estrangeiro correspondente ao país ou estado de origem do profissional interessado, vedados expressamente, mesmo com o concurso de advogados ou sociedades de advogados nacionais, regularmente inscritos ou registrados na OAB:
I – o exercício do procuratório judicial;
II – a consultoria ou assessoria em direito brasileiro.
§ 2º. As sociedades de consultores e os consultores em direito estrangeiro não poderão aceitar procuração, ainda quando restrita ao poder de substabelecer a outro advogado.
Art. 2º. A autorização para o desempenho da atividade de consultor em direito estrangeiro será requerida ao Conselho Seccional da OAB do local onde for exercer sua atividade profissional, observado no que couber o disposto nos arts. 8º, incisos I, V, VI e VII e 10, da Lei nº 8.906 de 1994, exigindo-se do requerente:
I – prova de ser portador de visto de residência no Brasil;
II – prova de estar habilitado a exercer a advocacia e/ou de estar inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados ou Órgão equivalente do país ou estado de origem; a perda, a qualquer tempo, desses requisitos importará na cassação da autorização de que cuida este artigo;
III – prova de boas conduta e reputação, atestadas em documento firmado pela instituição de origem e por 3 (três) advogados brasileiros regularmente inscritos nos quadros do Conselho Seccional da OAB em que pretender atuar;
IV – prova de não ter sofrido punição disciplinar, mediante certidão negativa de infrações disciplinares emitida pela Ordem dos Advogados ou Órgão equivalente do país ou estado em que estiver admitido a exercer a advocacia ou, na sua falta, mediante declaração de que jamais foi punido por infração disciplinar; a superveniência comprovada de punição disciplinar, no país ou estado de origem, em qualquer outro país, ou no Brasil, importará na cassação da autorização de que cuida este artigo;
V – prova de que não foi condenado por sentença transitada em julgado em processo criminal, no local de origem do exterior e na cidade onde pretende prestar consultoria em direito estrangeiro no Brasil; a superveniência comprovada de condenação criminal, transitada em julgado, no país ou estado de origem, em qualquer outro país, ou no Brasil, importará na cassação da autorização de que cuida este artigo;
VI – prova de reciprocidade no tratamento dos advogados brasileiros no país ou estado de origem do candidato.
§ 1º. A Ordem dos Advogados do Brasil poderá solicitar outros documentos que entender necessários, devendo os documentos em língua estrangeira ser traduzidos para o vernáculo por tradutor público juramentado.
§ 2º. A Ordem dos Advogados do Brasil deverá manter colaboração estreita com os Órgãos e autoridades competentes, do país ou estado de origem do requerente, a fim estar permanentemente informada quanto aos requisitos dos incisos IV, V e VI deste artigo.
§ 3º. Deferida a autorização, o consultor estrangeiro prestará o seguinte compromisso, perante o Conselho Seccional:
“Prometo exercer exclusivamente a consultoria em direito do país onde estou originariamente habilitado a praticar a advocacia, atuando com dignidade e independência, observando a ética, os deveres e prerrogativas profissionais, e respeitando a Constituição Federal, a ordem jurídica do Estado Democrático Brasileiro e os Direitos Humanos.”.
Art. 3º. Os consultores em direito estrangeiro, regularmente autorizados, poderão reunir- se em sociedade de trabalho, com o fim único e exclusivo de prestar consultoria em direito estrangeiro, observando-se para tanto o seguinte:
I – a sociedade deverá ser constituída e organizada de acordo com as leis brasileiras, com sede no Brasil e objeto social exclusivo de prestação de serviços de consultoria em direito estrangeiro;
II – os seus atos constitutivos e alterações posteriores serão aprovados e arquivados, sempre a título precário, na Seccional da OAB de sua sede social e, se for o caso, na de suas filiais, não tendo eficácia qualquer outro registro eventualmente obtido pela interessada;
III – a sociedade deverá ser integrada exclusivamente por consultores em direito estrangeiro, os quais deverão estar devidamente autorizados pela Seccional da OAB competente, na forma deste Provimento.
Art. 4º. A sociedade poderá usar o nome que internacionalmente adote, desde que comprovadamente autorizada pela sociedade do país ou estado de origem. A sociedade poderá usar o nome que internacionalmente adote, desde que comprovadamente autorizada pela sociedade do país ou estado de origem.
Parágrafo único. Ao nome da sociedade se acrescentará obrigatoriamente a expressão “Consultores em Direito Estrangeiro”.
Art. 5º. A sociedade comunicará à Seccional competente da OAB o nome e a identificação completa de seus consultores estrangeiros, bem como qualquer alteração nesse quadro.
Art. 6º. O consultor em direito estrangeiro autorizado e a sociedade de consultores em direito estrangeiro cujos atos constitutivos hajam sido arquivados na Ordem dos Advogados do Brasil devem, respectivamente, observar e respeitar as regras de conduta e os preceitos éticos aplicáveis aos advogados e às sociedades de advogados no Brasil e estão sujeitos à periódica renovação de sua autorização ou arquivamento pela OAB.
Art. 7º. A autorização concedida a consultor em direito estrangeiro e o arquivamento dos atos constitutivos da sociedade de consultores em direito estrangeiro, concedidos pela OAB, deverão ser renovados a cada três anos, com a atualização da documentação pertinente.
§ 1º. As Seccionais manterão quadros específicos e separados para anotação da autorização e do arquivamento dos atos constitutivos, originário e suplementar, dos consultores e sociedades a que se refere este artigo.
§ 2º. A cada consultor ou sociedade de consultores será atribuído um número imutável, a que se acrescentará a letra S, quando se tratar de autorização ou arquivamento suplementar.
§ 3º. Haverá, em cada Seccional, uma Comissão de Sociedades de Advogados à qual caberá, na forma do que dispuserem seu ato de criação e o Regimento Interno da Seccional, exercer a totalidade ou algumas das competências previstas neste Provimento. Nas Seccionais em que inexista tal Comissão, deverá ser ela criada e instalada no prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação deste Provimento.
Art. 8º. Aplicam-se às sociedades de consultoria em direito estrangeiro e aos consultores em direito estrangeiro as disposições da Lei Federal nº 8.906 de 4 de julho de 1994, o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, o Código de Ética e Disciplina da OAB, os Regimentos Internos das Seccionais, as Resoluções e os Provimentos da OAB, em especial este Provimento, podendo a autorização e o arquivamento ser suspensos ou cancelados em caso de inobservância, respeitado o devido processo legal.
Art. 9º. A Ordem dos Advogados do Brasil adotará, de ofício ou mediante representação, as medidas legais cabíveis, administrativas e/ou judiciais, sempre que tenha ciência de condutas infringentes às regras deste Provimento.
Art. 10. Os consultores e as sociedades constituídas na forma do presente Provimento estão sujeitos às mesmas anuidades e taxas aplicáveis aos nacionais.
Art. 11. Deferida a autorização ao consultor em direito estrangeiro, ou arquivados os atos constitutivos da sociedade de consultores em direito estrangeiro, deverá a Seccional da OAB, em 30 (trinta) dias, comunicar tais atos ao Conselho Federal, que manterá um cadastro nacional desses consultores e sociedades de consultores.
Art. 12. O presente Provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.
Brasília, 13 de março de 2000.
Reginaldo Oscar de Castro
Presidente
Sergio Ferraz
Relator
Mariana Ghirello é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 16 de setembro de 2010