As próteses de silicone e a responsabilidade dos médicos.

Fonte: www.jurisway.org.br

É sabido que as próteses mamárias de silicone da empresa francesa PIP (Poly Implants Protheses), colocadas no mercado brasileiro por volta de 2009, foram comercializadas pela metade do preço das concorrentes.

Depois que as autoridades sanitárias da França declararam que as próteses da marca PIP usaram silicone industrial, produto não autorizado e potencialmente danoso a saúde, além de apresentar  maior  risco de romper ou vazar, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)  cancelou o registro do produto no Brasil.

A notícia, como óbvio, causou e indignação e medo nas mulheres do mundo inteiro, inclusive no Brasil, porque deixou clara a gravidade do risco a que estão expostas, principalmente quando sabem que carregam no corpo um material altamente nocivo a sua saúde, conforme reconhecido internacionalmente.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica optou por não orientar a remoção preventiva para mulheres que tiveram implantada a prótese de seios da marca francesa Poly Implant Protheses (PIP). Em comunicado, a entidade brasileira diz não haver “motivo para pânico” e nem necessidade de retirada preventiva das próteses.

É que, apesar da gravidade dos riscos, alguns médicos, clínicas e suas entidades corporativas, tentam minimizar as dimensões do risco já que seu negócio depende das incontáveis mulheres que, diariamente, recorrem aos transplantes para alterar sua aparência estética.

A Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética alertou que as próteses de silicone Poly Implant Prothèse (PIP), devem ser removidas ou trocadas imediatamente: “mesmo sem sinais clínicos de ruptura, os implantes (da marca francesa) devem ser removidos ou trocados para evitar riscos adicionais à saúde”, diz a nota da entidade que representa cirurgiões plásticos em 93 países.

Depois de analisar responsavelmente as informações científicas o próprio governo da França aconselhou que as mulheres com silicones da PIP retirassem os implantes, vez que já são mais de mil casos de ruptura das próteses relatados na Europa.

Aparentemente este número pode parecer insignificante, mas, trata-se apenas dos dados estatísticos de casos formais e oficialmente levados a conhecimento das autoridades.  O que preocupa mesmo são os casos não relatados, ou ainda sequer conhecidos, que podem ser dezenas de vezes maiores que os números divulgados.

Agora, mais recentemente, além da PIP apareceu também uma outra fornecedora, a Rofil, que da mesma forma comercializava produtos com igual risco para as pacientes, em face da qualidade do silicone.

O governo federal brasileiro, apesar de tudo, apenas acena com a possibilidade de substituir as próteses rompidas, ou seja, atender as questões de saúde apenas,  pela via do SUS (Sistema Único de Saúde). Todavia, esta é apenas uma forma desonesta de adiar a solução do problema e induzir as vítimas a esperar e se esquecerem dos seus direitos como é da praxe política.

O caso, pela sua gravidade e pela culpa “in vigilando” dos órgãos do governo que em clara omissão do seu dever de fiscalizar e acompanhar sua qualidade,  permitiram o comércio de produto altamente lesivo a saúde, não pode ser postergado.

Um governo sério convocaria um mutirão de especialistas em saúde e estética para imediatamente, e de forma definitiva, substituir todas as próteses condenadas e não só aquelas já deterioradas e cujo dano já não é mais totalmente reparável.

O pior é que, como é largamente sabido, os atendimentos médicos de urgência pelo SUS geralmente ficam para o mês seguinte, e os casos de cirurgias carimbados com a pecha de “não urgente”, como quer o governo brasileiro, podem levar anos ou jamais acontecerem.

Mas não é só isso. É obvio que quem se dispõe a submeter a uma cirurgia de implante estético, não raro pagando verdadeira fortuna ou comprometendo seu salário de um ano inteiro, não vai querer que um médico do SUS, não conhecido no disputado ramo da estética, ainda que seja super competente, venha a fazer a substituição da prótese com objetivo apenas de saúde.

Ora, a gravidade da situação pode realmente ter convertido a questão estética para um problema de saúde, mas o dano que é originalmente estético deve ser tratado e reparado como tal.

O certo é que o momento e a gravidade dos fatos não podem ser abafados pela inércia e pelos interesses corporativos e ou políticos, é hora de tomar providências imediatas e afastar os riscos.

Embora a categoria pareça tranqüila diante da tempestade, a situação dos médicos e das clínicas estéticas não é assim tão simples e descompromissada. Os médicos se esquivam dizendo que o produto era certificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e que por isso não têm qualquer responsabilidade quanto a sua qualidade.

Sustentam ainda que a sua relação jurídica (contrato) com o paciente é de meio, ou seja: o médico tem o compromisso profissional de usar seu conhecimento para realizar o melhor, mas não é um compromisso de resultado, ou seja: se tudo der errado, e não houver culpa profissional, não podem ser responsabilizados.

Enfim, alegam que somente poderão ser acionados quando comprovadamente agirem com negligência, imprudência ou imperícia.

Bem, isto é uma realidade jurídica em relação ao médico nas cirurgias reparadoras, mas não se aplica nas cirurgias meramente estéticas em que a relação jurídica com o paciente é nitidamente de resultado.  Mas, no caso, a vertente mais complexa é a de enquadramento na relação de consumo dos médicos e clínicas como fornecedores.

É isso mesmo. Responsabilidade solidária dos médicos e clínicas pelo fornecimento do produto, no caso as próteses.

Muitos se esquecem que os pacientes não compram próteses de silicone no supermercado e, quase sempre, são os médicos e clínicas, que as adquirem das indústrias, dos distribuidores ou dos importadores para repassar para as suas clientes, com lucro substancial, o que é irrelevante.

É neste detalhe, aparentemente sem importância, que nasce a possibilidade da vítima exercitar seu direito de ressarcimento; reposição ou até de integral indenização pelos danos sofridos, diretamente contra o médico e ou contra a clínica que lhe tenha fornecido a prótese de silicone.

Se a clínica e ou o médico fornecem o produto  (não se trata dos serviços médicos), sem qualquer dúvida, serão considerados fornecedores para os efeitos da lei que rege a relação de consumo.

Veja como dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

 

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

 

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

 

Portanto, estejam ou não registrados como comerciantes, os médicos e as clínicas que fornecem o produto aos consumidores são considerados fornecedores.

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

 

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

….

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

 

Assim, com toda clareza, a  proteção da vida e saúde são diretos destacados como básicos do consumidor, portanto sujeitos a providências rápidas e efetivas quanto a reparação dos danos patrimoniais ou morais.

 

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo…

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

A responsabilidade solidária, no caso, decorre de disposição legal vigente.

Pois bem, como visto, os médicos e clínicas que fornecem as próteses, independentemente de serem registrados como comerciantes, são considerados fornecedores nos termos da lei vigente.

Também, a lei dispõe com todas as letras que a vida e a saúde são direitos básicos do consumidor  e, finalmente, não deixa dúvidas de que os fornecedores respondem solidariamente pela qualidade do produto e, portanto, podem ser acionados diretamente pela já indiscutível inadequação do produto aos fins a que se destinam.

Assim, deve a consumidora portadora das marcas reconhecidamente impróprias para o consumo procurar os respectivos médicos e clínicas que lhe forneceram a prótese de silicone, solicitar a substituição do implante, sem custos, ou, em caso de negativa, recorrer à justiça.

Mas isto com toda a rapidez possível, independentemente do rompimento ou não da prótese,  sempre lembrando  que, quando se trata de saúde e vida, o amanhã pode ser tarde demais.

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