No dia 15 de março de 1962, o então Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, enviou uma mensagem ao Congresso Americano tratando da proteção dos interesses e direitos dos consumidores. “Consumidores somos todos nós”, disse ele nessa fala que se tornou o marco fundamental do nascimento dos chamados direitos dos consumidores e que causou grande impacto não só nos EUA mas como em todo o mundo.
Na referida mensagem, foram estabelecidos quatro pontos básicos de garantia aos consumidores: o do direito à segurança ou proteção contra a comercialização de produtos perigosos à saúde e à vida; o do direito à informação, incluindo os aspectos gerais da propaganda e o da obrigatoriedade do fornecimento de informações sobre os produtos e sua utilização; o do direito à opção, no combate aos monopólios e oligopólios e na defesa da concorrência e da competitividade como fatores favoráveis ao consumidor; e o do direito a ser ouvido na elaboração das políticas públicas que sejam de seu interesse.
Sem duvida alguma que, de 1962 para cá, houve um avanço considerável na proteção ao consumidor em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Em nosso país, a Carta da República se reporta em pelo menos três momentos aos direitos do consumidor. No artigo 5°, XXXII, eis a primeira referência ao direito do consumidor. Neste artigo, a Constituição não deixa dúvidas quanto à importância deste direito para a cidadania afirmando que caberá ao Estado promovê-Io, na forma da lei. Ao tratar da ordem econômica, novamente a Magna Carta, em seu artigo 170, afirma que um dos seus princípios básicos é a defesa do consumidor. E, ainda, diante a sua tamanha importância, no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, fora estabelecido prazo de 120 (cento e vinte) dias da promulgação da Constituição, para que o Congresso Nacional elaborasse o Código de Defesa do Consumidor.
Deste modo, resta incontroverso que a participação cidadã na figura do consumidor começou a ser traçada de fato, no Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas principalmente, com a Lei nº 8.078/1990 – o Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC em 11 de setembro de 1990 (e que entrou em vigor em 11-3-1991).
Com a edição do CDC concretizou no ordenamento jurídico pátrio a orientação constitucional de proteção ao consumidor. Antes do referido Código, os direitos dos consumidores estavam dispersos por vários diplomas legais, sem um tratamento sistêmico e específico, e, portanto, a defesa do consumidor não tinha a abrangência nem a consistência como agora é tratada. O Código introduziu no Brasil um verdadeiro “ordenamento jurídico consumerista”, utilizando-se da concepção traçada por Bobbio (1999, p.41).
A aprovação do CDC veio demonstrar, por um lado, o crescimento dos movimentos em prol desses direitos e, por outro, a disposição do poder público em consolidar a defesa desta dimensão da cidadania.
Mas, ainda falta muito para que a batalha pelos direitos dos consumidores esteja ganha, pois vários aspectos apontadados no citado discurso vêm sendo a cada dia mais violado de diversas maneiras.
Consta do preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que o nosso Estado Democrático de Direito deve assegurar aos cidadãos “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Todavia, é comum a percepção de que grande parte da população brasileira se sente desvalida quanto à igualdade e à efetividade de direitos.
Nas relações sociais de consumo, de forma particular, a organização da sociedade civil é ainda bastante novel e as pessoas constantemente veem-se lesadas em seus direitos.
Assim, as políticas públicas de proteção do consumidor são importantes instrumentos para a garantia dos direitos de cidadania e, por consequência, para o avanço do processo democrático, contribuindo para um desenvolvimento socioeconômico moderno e justo.
Isto porque toda economia aberta em um mundo globalizado precisa de consumidores conscientes e participativos, capazes de exigir serviços e produtos que correspondam às suas reais necessidades, com preço justo e qualidade, além de atendimento adequado, responsável, que respeite às suas condições de cidadão-consumidor.
É justamente neste contexto que se vislumbra a proteção do consumidor como objeto de políticas públicas amplas, prioritárias e fundamentais para preparar o cidadão-consumidor para se prevenir e, inclusive, melhor utilizar sua capacidade de consumo, tendo em vista que o cidadão bem informado aproveitará sua renda de forma mais eficiente, decidindo sobre o que, quando e como consumir.
Destarte, as políticas públicas de proteção ao consumidor envolvem uma gama ampla de atividades do poder público e da sociedade civil, dentre as quais se destaca, como exemplos de ações governamentais possíveis, a educação para o consumo, a veiculação de campanhas publicitárias, a democratização da informação e dos meios de proteção administrativa dos consumidores e o incentivo à criação de entidades e/ou associações de proteção e defesa do consumidor, a qual se traduz em uma perfeita interação entre política pública e movimentos sociais efetivos.
O cerne de toda e qualquer política pública está localizado na escolha, planejamento, aplicação e fiscalização de medidas que implementem direitos sociais que garantam a proteção da dignidade da pessoa humana.
Simultaneamente, políticas públicas de proteção ao consumidor se consubstanciam em programas de educação para o consumo sustentável, não apenas no âmbito da proteção ao meio-ambiente e da consequente racionalização do consumo, como também no aspecto preventivo do superendividamento.
Ademais, efetivas políticas públicas de proteção aos consumidores além de evitarem fenômenos como a judicialização ou politização do judiciário, impedem desnecessários gastos públicos, como, a título ilustrativo, a contratação de mais servidores para atuarem nos órgãos de defesa do consumidor, a criação de mais varas/juizados, delegacias ou promotorias especializadas, municipalização do PROCON, entre outras medidas que vêm sendo implementadas ao longo dos últimos anos.
Finalmente, cabe ressaltar, que a efetiva proteção ao consumidor por meio de políticas públicas possui um papel significativo de consumar direitos e prevenir transtornos de ordem social e privada.
Diante de tudo que foi exposto, entendo que o Brasil vive um momento único em sua história no que diz respeito ao reconhecimento constitucional de diversos direitos, fruto de constantes lutas sociais.
No entanto, a mera previsão constitucional, não é o suficiente para a garantia destes direitos, pois como assevera Potyara Pereira (2002), entre a intenção do legislativo e aplicação dos regramentos constitucionais há um espaço político-decisório, que não vem sendo atendido a contento no Brasil.
À vista disso, o reconhecimento da defesa do consumidor como dever do Estado não alcançou a efetividade devida, sendo, portanto, objeto, agora, de novas lutas sociais pela sua devida implementação e manutenção.
Neste sentido, é plenamente possível o poder judiciário entrar no exame das políticas públicas. Mas, ratifico, se faz necessário muita cautela, pois esta interpretação esta amparada em conceitos jurídicos indeterminados.
Por fim, destaco, que o judiciário cumpre com maestria sua finalidade ao decidir em favor daqueles que necessitam de imediata proteção como cidadãos-consumidores, mas, esta não pode ser a única via de acesso para que a população efetive direitos.