Por André Arany
As restrições quanto à publicidade na advocacia continuam a trazer resultados positivos para muitos escritórios, já que a advocacia continua sendo lucrativa para aqueles já sedimentados no ramo. Existem correntes que não veem a necessidade de mudanças, muito menos em relação à publicidade no código de ética da OAB, que poderiam trazer mudanças profundas.
Vale comentar que o código de ética da OAB data de 1984, uma época em que a comunicação era restrita e não havia internet, e tampouco celulares. A advocacia era exercida de uma maneira diferente, através da figura do advogado de família que cuidava de todos os assuntos que surgiam dentro do âmbito familiar. A evolução do capitalismo fez crescer, na advocacia, o ambiente corporativo onde o diferencial é o preço e ofertas de serviço com qualidade.
Em 1957, Roberto Lyra defendia a mesma tese que é usada pelo código de ética quanto à mercantilização da advocacia:
Não posso, portanto, considerar a aplicação à advocacia dos golpes da publicidade que usurpa os valores, pelo ruído da propaganda. Suicídio da classe social que devora suas elites, preterindo-as ou pervertendo-as (Lyra, 1957, apud, Mamede, 2003, p.332).
A argumentação contra a ampliação da publicidade ao advogado é a usurpação dos valores da advocacia através de sua mercantilização e, em contrapartida, a argumentação a favor invoca princípios de uma justiça igual para todos e da preocupação de acesso à justiça para todos os cidadãos.
Conforme bem elucidado por Geoffrey Hazard e Angelo Dondi (2011, p.361), a publicidade do advogado aumenta a consciência pública acerca da justiça e aproxima o cidadão da tutela jurídica, contribuindo para um efetivo acesso à justiça. Entretanto, também difunde a ideia de que os advogados correm atrás de clientes de maneira deselegante.
Pode-se afirmar que a forma de se exercer o direito no Brasil mudou desde o advento da lei 8.078/90 e da lei 9.099/95, pois a maioria das empresas que trabalha com varejo ou com prestação de serviços para um grande número de clientes passou a ter um enorme contingente de processos. Os escritórios, por sua vez, passaram a contratar advogados para trabalhar no chamado contencioso em massa exercendo um trabalho repetitivo onde lhe é exigido fazer petições atrás de petições por um salário inferior ao de mercado.
As grandes empresas, litigantes habituais, estão preparadas técnica e economicamente para se defenderem em processos judiciais, revelando, dessa maneira, a vantagem que têm em uma lide consumerista. Por outro lado, o cidadão hipossuficiente muitas vezes não contrata um bom advogado para representá-lo em juízo por desconhecer os profissionais existentes.
Na verdade, o que se pondera é o fato de que um advogado, especializado em determinado assunto, tem dificuldades de ser conhecido no meio, perdendo assim uma série de clientes e oportunidades porque não lhe foi permitido divulgar seu trabalho. Acredita-se que seria possível uma reavaliação do Código de Ética quanto às restrições da publicidade, de forma que este advogado não seja prejudicado. Sabe-se, entretanto, que também seria preciso uma intensa campanha de conscientização para que o profissional não ultrapasse o limite ético que rege sua profissão. Seria uma proposta de mudança de cultura, mesmo que isso ocorra aos poucos.
A mudança se daria, de fato, a evitar a “perversão” do direito, conforme previsto por Roberto Lyra, mas não de modo a restringir a publicidade da maneira que é, mas estudando-se maneiras de lutar por um acesso à justiça pela população hipossuficiente, ao mesmo tempo em que se equiparam as forças entre autor e réu.
Entende-se a posição dos que defendem o rigor do código de ética tendo como base o medo da mercantilização da advocacia, pois estes temem que a advocacia seja desvalorizada, e que situações consideradas de grande importância, como a interação entre advogado e cliente, sejam prejudicadas ou até mesmo deixem de existir. Por isso, mais uma vez, apresenta-se a necessidade de uma campanha de conscientização do profissional advogado, para que seja possível divulgar seu trabalho, conquistar sua fatia no mercado e continuar respeitando a importância do relacionamento cliente/profissional.
O que se contesta é que os escritórios de contencioso em massa já trabalham como se fossem manufaturas, já que um cliente único trás milhares de casos. Não há um relacionamento pessoal, e esses fatores, uma vez mais, evidenciam a hipossuficiência do consumidor. Por exemplo, uma empresa de telefonia pode contratar um escritório especializado em sua defesa, enquanto que o consumidor lesado pode apenas buscar um advogado especializado em direito do consumidor. Caso o consumidor soubesse da existência, através de veículos de comunicação, de escritórios especializados em processar empresas de telefonia, provavelmente não hesitaria em contratá-los.
Assim, conforme bem explicado por Luiz Roberto Kallas, existe a publicidade focada no relacionamento e a publicidade focada na transação. Na publicidade focada na transação, o interesse é vender, ganhar e esquecer, prática proibida pelo código de ética. Já a publicidade de relacionamento, tem o interesse voltado à relação pessoal, onde busca-se entender e conquistar um cliente com um atendimento de qualidade, respeitável e ético, de forma que o relacionamento venha a se repetir em caso de novos problemas do consumidor e cliente. (Kallas, 2007)
Esse relacionamento profissional/cliente é a chave para o sucesso do advogado e não deixa de ser uma forma de propaganda pessoal. Então se um advogado conhece todas as características de um cliente, tem o histórico de atendimento disponível e pode suprir suas necessidades, não há de se falar em mercantilização da advocacia, mesmo sendo esse advogado integrante de uma equipe de contencioso em massa.
Cumpre esclarecer que a popularização da advocacia privada através de menores restrições à publicidade na advocacia não exclui o importante papel da Defensoria Pública no acesso à justiça. Entretanto, a função da Defensoria Pública é atender o hipossuficiente econômico. Assim, a publicidade pode ser uma forma – não a única – importante de conscientização da população acerca de seus direitos, ainda mais diante do desenvolvimento econômico do país e do surgimento de classes mais baixas com poder econômico de mercado – o que faz aumentar a litigiosidade.
Nesse sentido, o desenvolvimento de uma advocacia privada de menores custos ao cidadão se torna uma opção para atender as classes mais baixas, entretanto, para tal, o cidadão hipossuficiente precisa ter conhecimento de sua existência.
Geoffrey Hazard e Angelo Dondi demonstram que a legislação americana é permissiva quanto à publicidade de advogados. Por ter facilidade de encontrar advogados e, consequentemente, buscar a tutela jurídica, a sociedade americana é considerada uma sociedade litigiosa. O reflexo disso é a preocupação com o bem estar dos consumidores e o respeito na relação consumerista e um efetivo acesso à justiça para uma grande parcela, entretanto, é trazido ao debate o fato de existirem advogados que tentam captar clientes de forma deselegante.
Pode-se perceber que a cultura norteamericana é diferente da brasileira, mas entende-se também que a modernização do conceito ético que rege a profissão do advogado é fundamental para que haja uma maior efetivação do acesso à justiça da população brasileira.
=======================================================
MAMEDE, Gladston. A advocacia e a ordem dos advogados do Brasil. 2ª Ed. São Paulo, Atlas S.A., 2003, 471p.
HAZARD, Geoffrey, DONDI, Angelo. Ética Jurídica: um estudo comparativo. 1ª Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2011, 462 p.
KALLAS, Luiz Roberto. Apesar do código de ética, advogado poder fazer marketing.2007. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-jun-09/apesar_codigo_etica_advogado_marketing> Acesso em: maio/2012.