Fonte: http://www.cc2002.com.br/jurisprudencia.php?id=1652
TJMS. Cláusula penal. Art. 413, segunda parte do CC/2002. Interpretação. Fabrício Zamprogna Matiello [Código Civil Comentado, Editora LTr , 3ª. Ed., 2007, p. 278], ao tratar da segunda parte do artigo 413, do Código Civil de 2002, com a seguinte exposição, litteris: “Em segundo lugar, será operada a redução da pena convencional quando esta revelar-se manifestamente excessiva, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Caberá ao juiz interpretar cada caso em particular e dizer se a cláusula penal é demasiadamente onerosa para o devedor se comparada com os caracteres do negócio jurídico travado entre as partes, circunstância que a transforma em indevida fonte de enriquecimento em favor do credor e gera a necessidade de redução a patamares compatíveis com a realidade negocial”.
Integra do acórdão
Acórdão: Apelação Cível n. 2011.028544-4/0000-00, de Campo Grande.
Relator: Des. Paulo Alfeu Puccinelli.
Data da decisão: 24.01.2012.
Segunda Câmara Cível
Apelação Cível – Ordinário – N. 2011.028544-4/0000-00 – Campo Grande.
Relator – Exmo. Sr. Des. Paulo Alfeu Puccinelli.
Apelantes – Quenamarques da Silva Ramos e outro.
Advogados – Gervasio Alves de Oliveira Júnior e outro.
Apelante – Neder Matias da Silva.
Advogado – Samuel Carvalho Junior.
Apelados – Quenamarques da Silva Ramos e outro.
Advogados – Gervasio Alves de Oliveira Júnior e outro.
Apelado – Neder Matias da Silva.
Advogado – Samuel Carvalho Junior.
Outro – Gilson B. de Souza.
EMENTA: RECURSO DOS AUTORES – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO – CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – PEDIDO DE RESCISÃO CONTRATUAL E DEVOLUÇÃO DE ARRAS – CORRETOR DE IMÓVEIS – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – MULTA CONTRATUAL PACTUADA EM 20% SOBRE O VALOR DA TRANSAÇÃO – REDUÇÃO PARA 10% – ARTIGO 413 DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. O corretor de imóveis atua apenas como intermediário na compra e venda de imóvel, não sendo ele parte legitima para figurar no polo passivo da lide em que se discute a rescisão de contrato e restituição de arras em razão do descumprimento do pactuado por parte do vendedor. Nos termos do artigo 413, do Código Civil vigente, se o valor da multa contratual for excessivo, ela pode ser reduzida equitativamente pelo juiz singular. RECURSO DO RÉU – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO – CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – RESCISÃO CONTRATUAL POR CULPA DO DEVEDOR – DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DE DOCUMENTAÇÃO DO IMÓVEL E DO DEVEDOR PARA FINANCIAMENTO – DEVER DE DEVOLUÇÃO DAS ARRAS CONFIRMATÓRIAS – VALOR INTEGRAL – CORRETOR DE IMÓVEIS – MERO INTERMEDIADOR DO NEGÓCIO – SENTENÇA MANTIDA RECURSO IMPROVIDO. Declarada a rescisão do contrato por culpa exclusiva do devedor, o qual deixa de entregar à CEF a documentação do imóvel e documentos pessoais necessários para a realização do financiamento do imóvel, deve esse devolver aos compradores as arras confirmatórias recebidas, nos termos do artigo 418 e ante a disposição contratual expressa a este respeito. É devida a devolução integral do valor recebido pelo vendedor à título de arras, visto que o corretor de imóveis, no caso, atua como mero intermediador do negócio entre os litigantes, não devendo o mesmo ser responsabilizado no processo pela devolução a essa preço.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento a ambos os recursos.
Campo Grande, 24 de janeiro de 2012.
Des. Paulo Alfeu Puccinelli – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Paulo Alfeu Puccinelli
Neder Matias da Silva interpõe recurso de apelação cível irresignado com a sentença proferida pela Juíza de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande que, nos autos de ação anulatória de ato jurídico com tutela antecipada que lhe promove Quenamarques da Silva Ramos e sua esposa Ana Amazonina Tavares Ramos, julgou improcedente a presente ação em relação ao réu Gilson Batista de Souza e parcialmente procedentes os pedidos formulados em face do réu Neder Matias da Silva, condenando-o à devolução das arras, corrigidas monetariamente pelo IGP-M, desde a data do desembolso, acrescidas de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação (14.12.2006 – fl. 118) e ao pagamento da multa de 10% sobre o valor do contrato devidamente atualizado pelo IGPM e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, bem como condenou os autores e o réu Neder Matias da Silva ao pagarem as custas processuais, na proporção de 50% para os autores e 50% para o referido réu e determinou que o réu arque com os honorários advocatícios em favor dos autores, no importe de 10% sobre o valor da condenação, a teor do § 3º do art. 20 do CPC e, por fim, tendo em vista a improcedência do pedido formulado em face do réu Gilson Batista de Souza, condeno os autores ao pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) de honorários ao advogado do referido réu, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC.
Afirma que há prova de que a documentação do imóvel e do então apelante foram entregues junto à Caixa Econômica Federal, sendo que o Ofício n° 157/06, faz menção de que para as complementações da instrução do dossiê faltavam apenas a certidão do nascimento atualizada, bem como a cópia do passaporte do mesmo e que tais documentos não impediriam a tramitação da proposta do financiamento.
Salienta que o financiamento só não se concretizou porque os apelados haviam notificado a Caixa Econômica Federal solicitando a suspensão do financiamento, conforme fls. 76/77.
Destaca que no próprio instrumento contratual ficou esclarecido que o objeto de venda era um terreno, que havia uma construção irregular e que o vendedor assumia o compromisso de regularizá-la, conforme se denota pelas cláusulas 1ª, 9ª e 11ª.
Assinala que resta provado nos autos que os apelados é que deram causa à rescisão contratual, vindo a notificar tanto ao então apelante como a Caixa Econômica Federal da desistência do negócio.
Entende que tendo os compradores descumprido o compromisso de compra e venda, o contrato deve ser rescindido, por culpa exclusiva dos compradores, perdendo, com efeito, o valor dado como sinal e, consequentemente, deve ser condenados ao pagamento da multa contratual de 20% sobre o valor do contrato, prevista no parágrafo único da cláusula 8ª do mesmo.
Insiste que os próprios apelados trouxeram aos autos prova que todas as obrigações foram cumpridas pelo vendedor, no tocante à regularização da construção junto à Prefeitura Municipal de Campo Grande; conseguiu o Habite-se; pagou o INSS; conseguiu o CND da obra e apresentou toda a documentação à Caixa Econômica Federal.
Salienta que os recorridos confessam que no dia 03 de maio de 2006 firmaram contrato de compra e venda de imóvel no valor de R$ 100.000,00 (Cem mil reais) com o então apelante, intermediado pelo Sr. Gilson Batista da Souza, ocasião em que pagaram o sinal no montante de R$ 20.000,00 (Vinte mil reais), sendo R$ 12.500,00 depositados na conta do devedor e R$ 7.500,00 (Sete mil e quinhentos reais) entregues ao corretor Gilson Batista de Souza.
Considerada que a quantia de R$ 7.500,00 (Sete mil e quinhentos reais) deve ser excluída de eventual condenação de restituição de valor.
Ao final, requer que seja recebida e provida a apelação cível para reformar a sentença combatida, condenando, exclusivo os apelados na integralidade dos ônus decorrentes da sucumbência, custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios.
Por sua vez, Quenamarques da Silva Ramos e Ana Amazonina Tavares Ramos, ofertaram contrarrazões às fls. 362/370, nas quais requer o improvimento do recurso e, concomitantemente, os mesmos interpuserem recurso adesivo às fls. 372/384, nas quais alegam a ilegitimidade passiva de Gilson Batista de Souza, corretor de imóveis, visto que ele teve participação direta e decisiva na conclusão do negócio e teve má conduta, usando de todos os meios para conseguir a conclusão do negócio.
Consignam que foi o corretor de imóveis que encobriu todas as irregularidades documentais do imóvel, induzindo os apelantes com promessas que não poderia cumprir, devendo responder solidariamente, nos termos do artigo 723, do Código Civil.
Ressaltam que, conforme depoimento de fl. 285, o corretor quando intermédia uma venda por financiamento, providencia a documentação necessária do vendedor e do imóvel para que o financiamento não seja obstado.
Consideram que merece reparo a sentença na parte que reduziu a multa contratual de 20% para 10%, porquanto deve permanecer o que foi pactuado, que sequer será suficiente para reparar as perdas e danos suportados pelos mesmos.
Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso para o fim de reformar a sentença recorrida, reconhecendo a responsabilidade solidária dos requeridos/apelados na devolução da arras paga, bem como para manter a cláusula penal pactuada entre as partes no percentual de 20%.
VOTO
O Sr. Des. Paulo Alfeu Puccinelli (Relator)
Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Neder Matias da Silva, Quenamarques da Silva Ramos e sua esposa Ana Amazonina Tavares Ramos em face da sentença proferida pela Juíza de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande que, nos autos de ação anulatória de ato jurídico com tutela antecipada, julgou improcedente a presente ação em relação ao réu Gilson Batista de Souza e parcialmente procedentes os pedidos formulados em face do réu Neder Matias da Silva, condenando-o à devolução das arras, corrigidas monetariamente pelo IGP-M, desde a data do desembolso, acrescidas de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação (14.12.2006 – fl. 118) e ao pagamento da multa de 10% sobre o valor do contrato devidamente atualizado pelo IGPM e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, bem como condenou os autores e o réu Neder Matias da Silva ao pagarem as custas processuais, na proporção de 50% para os autores e 50% para o referido réu e determinou que o réu arque com os honorários advocatícios em favor dos autores, no importe de 10% sobre o valor da condenação, a teor do § 3º do art. 20 do CPC e, por fim, tendo em vista a improcedência do pedido formulado em face do réu Gilson Batista de Souza, condeno os autores ao pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) de honorários ao advogado do referido réu, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC.
Por primeiro, aprecio o recurso interposto por Quenamarques da Silva Ramos e Ana Amazonina Tavares Ramos.
Pois bem, verifica-se dos autos que os apelantes e o apelado, Sr. Neder Matias da Silva, firmaram contrato de compra e venda de imóvel (fls. 40/42), sendo que tal negócio, como se extrai da inicial e às fls. 153/155, foi intermediado por Gilson Batista de Souza, corretor de imóveis.
Os apelantes pretendem a manutenção desse corretor no polo passivo da demanda por entender também a ele pertencer a responsabilidade pelo desfazimento da avença, sob o fundamento de que o Sr. Gilson, no desempenho de sua profissão, usou de todos os meios ao seu alcance para obter a conclusão do negócio jurídico.
Tenho que não procede a súplica recursal.
Com efeito, é sabido que a legitimidade a ad causam corresponde à chamada pertinência subjetiva da ação e, neste norte, toda e qualquer pessoa que deva se submeter diretamente aos efeitos da coisa julgada de uma determinada lide, por ter alguma relação com a situação jurídica em debate, deve integrar a lide.
É o que se colhe da lição de Fredie Didier Jr[1], litteris:
“A legitimidade para agir (ad causam petendi ou ad agendum) é condição da ação que se precisa investigar no elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham os “pressupostos processuais” subjetivos para que a parte possa atuar regularmente em juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material deduzida em juízo. É a “pertinência subjetiva da ação”, segundo célebre lição doutrinária.
A esse poder, conferido pela lei, dá-se o nome de legitimidade ad causam ou capacidade de conduzir o processo. Parte legítima é aquela que se encontra em posição processual (autor ou réu) coincidente com a situação legitimadora, “decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso”. Para exemplificar: se alguém pretende obter uma indenização de outrem, é necessário que o autor seja aquele que está na posição jurídica de vantagem e o réu seja o responsável, ao menos em tese, pelo dever de indenizar”.
Como se depreende do exposto, a questão referente à legitimidade se relaciona com a relação jurídica de direito material debatida por meio da ação. É ela quem vai determinar quais pessoas ou entes são legitimados para figurar em um dos pólos de determinada relação jurídica processual.
No caso sob julgamento, os pedidos dos autores são direcionados à rescisão contratual e devolução das arras e, sendo assim, os fundamentos jurídicos invocados na inicial para ver o julgamento de procedência da presente ação estão calcados no descumprimento da avença.
Nesse norte, serão legitimados ad causam, no caso, aqueles que participaram do contratado, pois somente a eles assiste o direito de exigir a rescisão do pacto e o dever de se submeter aos efeitos da sentença que aprecia os pedidos iniciais.
Logo, apenas os autores, ora apelantes, e o apelado, Sr. Neder Matias da Silva, são partes legítimas para a presente ação, porque só eles figuram, respectivamente, como vendedor e compradores no contrato de fls. 40/42.
Vale dizer que, inobstante os recorrentes afirmem a má conduta do corretor de imóveis, Sr. Gilson Batista de Souza, por ocasião das negociações da compra, como a obrigação de orientá-los nos mínimos detalhes sobre as pendências existentes sobre o imóvel, não aponta qualquer dano que daí tenha resultado, o que afasta a legitimidade ad causam desse, mormente quando, como se infere dos autos (fls. 59/67), que a rescisão do instrumento particular de compra e venda se deu por culpa do apelado, Sr. Neder, o que deixou de cumprir obrigação contratualmente prevista.
Não se diga que o pedido de devolução das arras constitui pleito indenizatório que pode ser estendido ao corretor, visto que, no caso trata-se de pena contratual, decorrente do desfazimento da avença, pela qual somente pode responder quem interveio no ajuste de vontade, no qual, frisa-se, não houve qualquer participação do Sr. Gilson Batista de Souza, pessoa que, como corretor de imóveis, figurou como mero intermediador para a realização do negócio jurídico entre as partes, encerrando a sua atuação com a celebração do contrato.
Aliás, insta apontar que os apelantes protocolizaram uma representação ética disciplinar (Procedimento n° 07/07), junto ao CRECI, em face do corretor, na qual os mesmos fatos ventilados na presente ação são discutidos, sendo que tal representação foi julgada improcedente e arquivada a denúncia, conforme fls. 230/232, não constando dos autos qualquer insurgência desses recorrentes acerca de tal questão.
A propósito do entendimento ora externado, colhem-se os seguintes julgados:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C PEDIDO DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO DAS ARRAS PENITENCIAIS. CORRETOR INCLUÍDO NO PÓLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM EVIDENCIADA. EXTINÇÃO DO FEITO, PELA SENTENÇA, QUANTO ÀQUELE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO, NO PONTO. (…)”. (TJDFT. Apelação Cível n° 2007.060057-1. Segunda Câmara de Direito Civil. Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil. Julgado em 16.09.2010. Publicado em 30.09.2010).
“AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL – CONTRATO DE COMPRA E VENDA – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA INTERMEDIADORA DO NEGÓCIO – (…). A empresa que atua apenas como intermediária na compra e venda de imóvel não é parte legitima para figurar no pólo passivo da rescisão dos contratos por descumprimento do que foi pactuado entre as partes contratantes.(…)”. (TJMG. Apelação Cível n° 1.0024.04.514306-2/001. Décima Oitava Câmara Cível. Relator: Des. Arnaldo Maciel. Julgado em 24.08.2010. Publicado em 08.09.2010)
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE ARRAS. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CORRETOR DE IMÓVEIS. (…)
1. Se o corretor de imóveis age nos limites da competência legal e contratual que lhe foi atribuída, não é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação que pleiteia rescisão de contrato e restituição de arras dadas em contrato preliminar de compra e venda”. (TJDFT. Apelação Cível n° 355.423. Relatora: Desa. Diva Lucy de Faria Pereira Ibiapina. Publicado em 15.05.2009).
Assim sendo, ante as circunstâncias acima delineadas, deve ser mantida a extinção do feito em relação ao réu Neder Matias da Silva, ante a sua manifesta ilegitimidade passiva.
Quanto à multa contratual de 20% sobre o valor da transação (R$ 100.000,00), estabelecida no parágrafo único, da cláusula 8ª, do instrumento particular de fls. 41/42, verifica-se que essa incide em caso de descumprimento de obrigação contratual, prestando-se a compensar os possíveis prejuízos decorrentes do inadimplemento, o que evidencia o seu caráter de cláusula penal.
Ora, o recebimento da multa contratada, equivalente a R$ 20.000,00 (Vinte mil reais), ocasiona evidente vantagem indevida aos apelantes (autores), mostrando-se a mesma excessiva se considerado que tal montante alcançaria o mesmo valor correspondente as arras a serem devolvidas aos mesmos no importe de R$ 20.000,00 (Vinte mil reais), devidamente atualizado.
Assim, deve incidir à hipótese a norma do artigo 413, do Novo Código Civil, que dispõe:
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”
Fabrício Zamprogna Matiello[2], ao tratar da segunda parte do artigo 413, do Código Civil de 2002, com a seguinte exposição, litteris:
“Em segundo lugar, será operada a redução da pena convencional quando esta revelar-se manifestamente excessiva, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Caberá ao juiz interpretar cada caso em particular e dizer se a cláusula penal é demasiadamente onerosa para o devedor se comparada com os caracteres do negócio jurídico travado entre as partes, circunstância que a transforma em indevida fonte de enriquecimento em favor do credor e gera a necessidade de redução a patamares compatíveis com a realidade negocial”.
Daí porque agiu com acerto o juiz singular ao aplicar o artigo 413, do Novo Código Civil, para o fim de reduzir a multa contratual em tela para 10% do valor da transação, importando no recebimento pelos recorrentes da quantia de R$ 10.000,00 (Dez mil reais), a qual se apresenta razoável para compensar os possíveis prejuízos decorrentes da inadimplência do devedor e a conseqüente rescisão contratual.
Corroborando o posicionamento ora externado são os seguintes julgados, verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL DA EMBARGADA – EMBARGOS A EXECUÇÃO – JUROS DE MORA – A PARTIR DA CITAÇÃO – MAJORAÇÃO DA MULTA CONTRATUAL – INADEQUADA – MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FIXAÇÃO DE FORMA EQUITATIVA – RECURSO NÃO PROVIDO.
(…)
II – Nos termos do art. 413 do Código Civil, se o valor da multa for excessivo, ela pode ser reduzida equitativamente pelo magistrado. (…)”. (TJMS. Apelação Cível n° 2010.003244-8/0000-00. Terceira Turma Cível. Relator: Des. Fernando Mauro Moreira Marinho. Julgado em 20.09.2011. Publicado em 04.10.2011)
“Ementa: CESSÃO DE DIREITOS SOBRE IMÓVEL. AÇÃO REVISIONAL E INDENIZATÓRIA. RECONVENÇÃO. COBRANÇA. Ação revisional de contrato de cessão de direitos sobre imóvel loteado e indenizatória. Reconvenção para a cobrança de saldo devido. Legitimidade passiva para a causa. Matéria preclusa. Dilação probatória. Desnecessidade. Art. 130, CPC. Cerceamento de defesa inocorrente. Falta de prova de ação ou omissão ilícita, praticada pelos réus, a ensejar a reparação de danos ao autor. Art. 333, I, CPC. Contrato celebrado entre particulares. Legalidade da multa moratória de 10%. Multa para a hipótese de rescisão contratual. Redução para 10% sobre os valores pagos. Art. 413, CCB. (..)”. (TJRS. Apelação Cível n° 70035170497. Décima Nona Câmara Cível. Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior. Julgado em 13.04.2010. Publicado em 26.04.2010)(Grifei)
Passo à análise da apelação cível interposto por Neder Matias da Silva.
Pois bem, conforme se infere dos autos (fls. 40/42) os apelados, Quenamarques da Silva Ramos e Ana Amazonina Tavares Ramos, na data de 03.05.2006, celebraram contrato particular de compra e venda com o apelante Neder Matias da Silva, cujo objeto era um imóvel no valor de R$ 100.000,00 (Cem mil reais), sendo, por ocasião de tal pactuação, esses pagaram a quantia de R$ 20.000,00, sendo que o restante do valor, R$ 80.000,00 (Oitenta mil reais), seria financiado pela Caixa Econômica Federal, e, para tanto, o vendedor e então recorrente se comprometeu a regularizar o imóvel junto às autoridades competentes para apresentar a documentação pertinente junto à Caixa Econômica Federal a fim de ser efetivado o financiamento do bem, sendo isto que se prevêem as cláusulas 9ª e 11ª, do referido instrumento contratual. Senão vejamos:
“9ª) Os COMPRADORES têm conhecimento de que o valor devido ao INSS pela construção do imóvel para a obtenção da CND para que seja possível legalizar a edificação a margem da matrícula encontra-se em aberto e sem o devido pagamento, ficando este encargo por conta do VENDEDOR, e que este se compromete com o pagamento dos valores devidos e correspondente ao INSS da construção, de imediato.
(..)
11ª) O VENDEDOR se compromete a registrar na matrícula 124823 do cartório do registro de imóveis da primeira circunscrição imobiliária de Campo Grande/MS, o excesso da construção, para que todo o documento, certidão necessária seja apresentado a CEF”.
Contudo, o apelante não cumpriu com as obrigações assumidas contratualmente, vindo as partes a assinarem o termo de compromisso de fl. 59, no qual ficou estabelecido o prazo de 20.06.2006 para que fossem encaminhados à Caixa Econômica Federal os documentos do imóvel e do vendedor, ora recorrente, a fim de viabilizar o financiamento, ficando, igualmente, avençado que, caso o recorrente (vendedor), não cumprisse com tal obrigação, o contrato de compra e venda, datado de 03.05.2006, restaria rescindido.
Todavia, como demonstrado à fl. 67, mediante o Ofício n° 157/06, emitido em 22.06.2006, pela Caixa Econômica Federal, o processo de financiamento do imóvel estava suspenso em razão da ausência de entrega de toda a documentação pessoal do recorrente necessária à ultimação do financiamento.
Daí porque se vê que houve inadimplemento do contratado por parte do recorrente (vendedor), o que resulta, evidentemente, que o contrato em questão (fls. 40/42) seja rescindido.
Ressalta-se, por pertinente, ao contrário do que alega o apelante, não foi o documento de fls. 76/77 foi o ensejador da não concretização do financiamento, uma, porque, no mesmo os apelados notificam apenas a rescisão contratual e, duas, porque tal documento, datado de 18.07.2006, é, incontroversamente, posterior ao referido ofício de fl. 67.
Destarte, rescindido o contrato culpa exclusiva do recorrente (devedor), as partes voltam ao status quo ante, cabe a esse devolver o valor recebido à título de arras e pago pelos apelados, porquanto assim prevê tanto o contrato de contrato de compra e venda (Cláusulas 3ª – fl. 41) quanto no termo de compromisso de fl. 59 (Cláusula 3ª).
Nem se cogite da hipótese de que os apelados (compradores) estavam cientes das irregularidades de documentação do imóvel, como quer o recorrente, uma vez que o próprio instrumento particular de compra e venda, como já exposto, assinala a obrigação do vendedor em proceder à regularização desses documentos, ônus do qual não se desincumbiu o mesmo, dando ensejo à rescisão contratual.
Quanto às arras, as quais são confirmatórias no presente caso, é também incontroversa a sua devolução por parte do recorrente ante as disposições do artigo 418, do Código Civil, o qual estabelece que, se a inexecução do contrato for de quem recebeu a arras, poderá aquele que as deu, in casu, os apelados (fls. 44/45), exigir a devolução da mesma.
Confiramos o que dispõe o citado dispositivo legal, verbis:
“Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com a atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado”.
Ademais disso, a cláusula terceira do contrato em lume, em seu parágrafo único, é claro ao estabelecer que, “caso haja qualquer problema em relação ao financiamento da CEF, no que se refere à liberação do financiamento, o VENDEDOR, se compromete a devolver a quantia já recebida para os COMPRADORES no prazo máximo de 03 (Três) dias, valor este devidamente corrigido”.
Outra não é a disposição contida no termo de compromisso de fl. 59, o qual, em sua cláusula 3ª, expressamente estabelece:
“3°) Após a rescisão, fica o vendedor, através de sua procuradora, obrigado a devolver a quantia paga de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), no prazo máximo de 24 horas, conforme cláusula 3º item 3.1 e 3.2 do contrato de compra e venda devidamente corrigida pelo índice de poupança”.
Aliás, sobre essa matéria, o Superior Tribunal de Justiça externado orientação no sentido de que, pactuada a venda do imóvel com o pagamento de arras confirmatórias à título de sinal, havendo o desfazimento do negócio jurídico, impõe-se a devolução de tais arras, sob pena de, assim não ocorrendo, haver vantagem exagerada em favor do devedor.
Nesse sentido:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL.PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE LEGALIDADE DE CLÁUSULA EM APELAÇÃO SEM QUE A QUESTÃO TENHA SIDO APRESENTADA EM RECONVENÇÃO. POSSIBILIDADE. QUESTÃO DEDUZIDA COM MESMO EFEITO PRÁTICO EM CONTESTAÇÃO. INEXECUÇÃO DO CONTRATO. CONFUSÃO ENTRE ARRAS E CLÁUSULA PENAL. AFASTAMENTO DAS ARRAS. CLÁUSULA PENAL. BASE DE CÁLCULO. MULTA CONTRATUAL. NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL A SER RETIDO PELO PROMITENTE VENDEDOR.
(…)
II – Pactuada a venda de imóvel com o pagamento de arras confirmatórias como sinal – que têm a função apenas de assegurar o negócio jurídico -, com o seu desfazimento, a restituição das arras é de rigor, sob pena de se criar vantagem exagerada em favor do vendedor.(…)”. (STJ. REsp n° 907856/DF. Terceira Turma. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Julgado em 19.06.2008. Publicado em 01.07.2008)
Outro não é o posicionamento expresso nos seguintes arestos:
“AÇÃO DE RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA CUMULADA COM PERDAS E DANOS.
Ação proposta pelos compromissários compradores em razão do desaparecimento da compromitente-vendedora, após o recebimento do sinal. Sentença de procedência, com a condenação da ré na devolução em dobro do que recebeu. Apela a ré insurgindo-se contra a condenação na devolução do dobro do que recebeu, sustentando que se tratava de arras confirmatórias, não penitenciais, o que determina a devolução simples.Compromisso de compra e venda de imóvel. Vendedora que deu causa à ruptura do negócio. Devolução do valor dado a título de sinal. Arras confirmatórias. Aplicação do art. 419, do CPC. Sentença de procedência. Recurso provido para determinar a devolução simples das arras”.(TJSC. Apelação Cível n° 0049173-55.2008.8.26.0602. 5ª Câmara de Direito Privado. Relator: Des. James Siano. Julgado em 09.11.2011. Publicado em 10.11.2011)
“CONTRATO DE PROMESSA COMPRA E VENDA. INADIMPLÊNCIA. RESCISÃO. ARRAS. DEVOLUÇÃO. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA.
Impõe-se a rescisão contratual ante o inadimplemento da obrigação por uma das partes, in casu, o promitente vendedor.
Declarada a rescisão contratual por culpa exclusiva de quem recebeu arras, correta a decisão que determina a restituição do valor comprovadamente pago a esse título (CC, art. 418) (…)”. (TJDFT. Apelação Cível n° 2009.1.01.007933-3. 2ª Turma Cível. Relatora: Desª Carmelita Brasil. Julgado em 27.07.2011. Publicado em 29.07.2011)
Quanto ao pagamento da multa contratual, tenho por desnecessárias considerações acerca desta, visto que a matéria foi devidamente analisada quando das razões recursais da parte contrária.
Por derradeiro e oportuno, salienta-se que não há que se afastar a devolução da quantia integral paga à titulo de arras (R$ 20.000,00) por parte do recorrente, porquanto foi ele o único responsável pela rescisão contratual, motivo pelo qual não se pode imputar ao corretor de imóveis, Sr. Gilson Batista de Souza, qualquer responsabilidade pelo pagamento dessa quantia, notadamente porque, como decidido no recurso da parte ex adversa, o corretor foi mero intermediador do negócio havido entre as partes ora litigantes, encerrando sua atuação quando houve a celebração do contrato.
Entendendo o apelante, pode ele ajuizar a competente ação para discutir ou reaver o que foi pago ao corretor imóveis em razão da celebração do contrato em questão.
Diante dessas razões, conheço de ambos os recursos e nego-lhes provimento, mantendo intocada a r. sentença.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Julizar Barbosa Trindade.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Paulo Alfeu Puccinelli.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Paulo Alfeu Puccinelli, João Batista da Costa Marques e Julizar Barbosa Trindade.
Campo Grande, 24 de janeiro de 2012.
[1] In Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 8. ed. Salvador: Jus Podium, 2007. p. 165/166;
[2] In Código Civil Comentado, Editora LTr , 3ª. Ed., 2007, p. 278;