Breves comentários sobre a Medida Provisória nº 948 de 8 de abril de 2020 e os impactos sociais e econômicos nas relações de consumo
HILDÉLIS S. DUARTE JUNIOR Não há dúvida de que estamos passando por um período totalmente inédito para todos. Ouso afirmar que nem em nossos piores pesadelos imaginaríamos viver tempos como os atuais. Tempos que mais se assemelham aos filmes hollywoodianos, como “Contágio”, “Eu sou a Lenda” e outros; séries da Netflix e até mesmo algumas cenas do épico filme “Vingadores: Ultimato”, em que cidades por todo o mundo ficaram totalmente vazias, sem brilho, cores e o calor dos abraços. Por óbvio, o presente estado de calamidade exige de cada um de nós, principalmente das nossas autoridades, sensibilidade, responsabilidade e um adequado senso de urgência. E, mais que isso, precisamos apresentar soluções não apenas sanitárias, mas também jurídicas, para minimizar os impactos sociais e também econômicos gerados pela tão falada e sentida pandemia. Neste momento, como reflexo, nota-se os mais variados problemas também nas relações de consumo, que igualmente nos exigem respostas equilibradas àqueles que clamam por soluções. São incontáveis casos que precisam ser harmonizados, tais como creches com atividades totalmente inviabilizadas, faculdades com ineficientes ambientes virtuais de aprendizagem, que prejudicam o direito dos seus alunos à educação superior – alunos que sequer conseguem acessar o conteúdo e continuam pagando às instituições sem receber por um adequado serviço educacional. Infelizmente, em relação às faculdades, há muito tempo se fala sobre as vantagens do ensino a distância, mas raras são as instituições que se planejaram e hoje estão preparadas para disponibilizar esse método com qualidade. Contudo, nesse artigo, gostaria de dedicar uma atenção especial à Medida Provisória nº 948 de 8 de abril de 2020, que visa tratar sobre o cancelamento de serviços de reservas e de eventos relacionados aos setores de turismo e cultura, em razão do estado de emergência de saúde pública, decorrente da pandemia causada pelo coronavírus. Não há dúvidas que tudo que está acontecendo no mundo gera impactos econômicos severos a todos os setores, do trabalhador informal à multinacional. Por isso, reforço a necessidade de agirmos com sensibilidade para resolver esses impactos e não gerar mais problemas. A Medida Provisória nº 948 de 8 de abril de 2020 apresenta erros jurídicos absurdos. O que mais nos chama atenção é o total desconhecimento de institutos essenciais do direito privado, além da afronta a esses institutos e sua total inconstitucionalidade. Com graves erros técnicos, ao invés de minimizar os danos e apresentar efetivas e reais soluções, acaba por maximizar os problemas para a sociedade. O texto em sua integralidade não é bom, mas o seu artigo 5º representa total afronta ao estado democrático de direito. Vejamos: Art. 5º As relações de consumo regidas por esta Medida Provisória caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades, nos termos do disposto no art. 56 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Nas relações de consumo, a escolha da responsabilidade civil objetiva é regra. Segundo nos ensina o ilustre professor José Geraldo Brito Filomeno, esta escolha, dentre outros fatores, se deu por levar em consideração a vulnerabilidade do consumidor, a produção em massa e pelo fato do fornecedor ter que responder pelos riscos que os produtos acarretam. Sabemos que as relações de consumo estão marcadas por desigualdades, pois de um lado temos o fornecedor de produtos e serviços e, do outro lado, temos o consumidor com sua vulnerabilidade. Deste modo, a reponsabilidade subjetiva, pautada na exigência da comprovação de dolo e culpa, se torna totalmente incompatível. Desta forma, aplica-se às relações de consumo a teoria do risco da atividade desenvolvida. Afinal, aquele que tem o bônus com o exercício de determinada atividade, precisa assumir tambémo ônus de eventuais riscos. Sobre a teoria do riscoda atividade, entende Karl Larenz que: “Uma imputação mais intensa desde o ponto de vista social a respeito de uma determinada esfera de riscos, de uma distribuição de riscos de danos inerentes a uma determinada atividade segundo os padrões ou medidas, não da imputabilidade e da culpa, senão da assunção de risco àquele que cria ou domina, ainda que somente em geral”. É claro que não se pode afirmar que há culpa por parte dos fornecedores dos serviços de hospedaria e dos produtores de eventos por cancelamentos motivados em razão da Covid-19. Todavia, não se pode falar no elemento culpa, pois, como já destaquei, o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do risco da atividade. Por esse motivo, a lei de proteção ao consumidor não inclui como causas excludentes de responsabilidade o caso fortuito e a força maior. Para o melhor entendimento, é importante explicar as diferenças entre o caso fortuito interno, externo e o motivo por força maior. Em linha gerais, a força maior e o caso fortuito interno são hipóteses não evitáveis, mas possíveis de se prever pelo fornecedor para o exercício da atividade. Por esta razão, não excluem a responsabilidade perante o consumidor. Para ilustrar, podemos apresentar a hipótese de um piloto de avião que apresenta problemas de saúde durante um voo e acaba ocasionando um acidente. Mesmo que se trate de um caso fortuito e inevitável, como se trata de um risco inerente à própria atividade, não impede o dever de indenizar. Ainda utilizando o contrato de transporte aéreo como exemplo de caso fortuito interno, imaginemos que, por questões climáticas, o voo seja cancelado. A empresa de aviação não pode se negar a indenizar os consumidores que sofreram danos, pois tal possibilidade é peculiaridade que integra a prestação deste serviço. Hipótese distinta ocorre quando o evento é totalmente imprevisível. São os casos de tsunamis, terremotos, erupção de vulcões e, claro, pandemias como a que estamos vivendo. Esses são exemplos de casos fortuitos externos, ou seja, eventos que não têm como fazer parte do raio de previsão do empreendedor. Todavia, com base no princípio constitucional da boa-fé (art. 422 do Código Civil Brasileiro), cabe ao fornecedor garantir o mínimo de assistência necessária aos consumidores, como alimentação e hospedagem (Resolução nº 400/2010 da ANAC). Neste último caso, defendo que as empresas