Educação não é produto

Neste artigo, eu poderia apenas lançar elucubrações, cogitando eventuais possibilidades e perspectivas de avanços na educação por meio das ferramentas de ensino a distância. No entanto, não posso me dar ao luxo de apenas assistir o que se passa com a mercantilização do ensino. Como diria Henry Kissinger, “cabe aos estadistas solucionar, em vez de contemplar as complexidades”. Caso se deixe esperar para ver, poderemos compactuar com uma política de recessão de direitos em prejuízo a formação de toda uma geração de jovens e futuros profissionais. Há tempos a mercantilização da educação vem sendo discutida no Brasil. Com o veloz crescimento da Kroton Educacional na bolsa de valores – hoje, a maior empresa mundial de ensino superior – tal problemática ganhou ainda mais força e reacendeu questões sensíveis, que devem ser profundamente analisadas. Muitos de nós sequer ouviram falar ou reconhecem o nome Kroton, mas, sem dúvida, identificam as inúmeras faculdades adquiridas pelo grupo, a exemplo da Anhanguera, Unic, Unopar, Unime, FAMA, LFG e Uniderp. Nos últimos meses, na tentativa de maximizar seus lucros, o“gigante” Kroton Educacional tentou adquirir o Grupo Estácio, nada menos que a 2ª maior empresa do ensino privado no país. Questiono qual seria o real interesse por trás de tantas aquisições? Aumento dos lucros ou busca pela expansão de um programa pedagógico de sucesso? Como o maior grupo educacional do mundo poderá contribuir para a melhoria do ensino superior brasileiro,ocupando aproximadamente 30% do mercado de ensino presencial e 50% do ensino a distância? Após análise, verificou-se que no Maranhão haveria grande concentração de faculdades do grupo Kroton, caso concretizada a aquisição da Estácio. No setor de EAD, haveria mais de 50% de marketshare em 13 estados, dentre eles 6 (seis) da região Nordeste: RJ, PI, MA, GO, AL, TO, AC, PE, RO, CE, MS, MG e BA. No setor presencial, por sua vez, as maiores concentrações por município seriam: Campo Grande (64%), Niterói (64%), Santo André (59%), Macapá (53%) e São Luís (45%). Por meio da elaboração de um estudo detalhado com a análise de indicadores, como quantidade de reclamações formalizadas por estudantes da rede no PROCON, índices de qualidade do MEC e impacto de concentração de mercado no Maranhão, chegou-se à conclusão que a qualidade da educação ofertada estaria totalmente comprometida, com a notória uniformização do ensino superior privado proveniente do “quase monopólio” Kroton. Tal afirmação é fundamentada na visão empresarial aplicada pelo Grupo, de economia em escala e redução de custo, que não traz forte investimento para elevar os índices de qualidade do ensino, mas dedica-se a manter-se com o mínimo de critérios exigidos pelo MEC para o funcionamento das faculdades que compõem esse sistema. Visão tão avassaladora que deturpa e subverte, inclusive, o ensino a distância, método que quando bem utilizado promove a democratização do ensino e o torna acessível a todos. É indiscutível que a operação ambicionada pela Kroton S.A., uma vez concretizada, repercutiria necessariamente no futuro, não apenas dos maranhenses, mas de todos os brasileiros. Motivo pelo qual, ingressamos com representação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e conseguimos impedir a fusão dos referidos grupos educacionais, além de garantir a livre concorrência ao setor, bem como os direitos básicos dos estudantes. Apesar da considerável conquista, nas últimas semanas, fomos surpreendidos com novas reclamações apresentadas por alunos e alunas do grupo Kroton e da faculdade Estácio. Em sua grande maioria, referentes à publicidade enganosa, ausência de informação sobre a grade curricular, ineficiência nos canais de atendimentos ao consumidor, alteração de grades curriculares sem informação prévia, falta de segurança e estrutura adequada para alguns cursos, ausência de qualidade nas disciplinas a distância, cursos ministrados por docentes sem a devida formação ou com formação diversa da exigida, acarretando em prejuízos no processo de ensino e aprendizagem. A educação é um direito fundamental, serviço imprescindível e que deve ser garantida a todos os cidadãos, não podendo ser simplesmente controlada e mercantilizada pelo poder econômico, devendo receber um padrão de controle mais rígido, com foco na qualidade, mas não no lucro, como estamos testemunhando. Nos Estados Unidos, constatamos a presença de renomadas e reconhecidas Universidades particulares, como Havard e Yale,sem fins lucrativos, mas com finalidade exclusiva em sua reestruturação, não apenas física, como em seu corpo docente,em prol da melhoria na qualidade da educação e preparação dos seus alunos. Diante a tantas inconformidades evidenciadas pelos dados e relatos formalizados pela sociedade acadêmica, que comprometem diretamente a garantia dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição, se torna latente a atuação orquestrada dos órgãos de proteção e defesa dos consumidores, bem como dos deputados, senadores e demais organismos, junto ao Ministério da Educação e ao Poder Judiciário, com o intuito de combater a mercantilização do ensino. Afinal, Educação não é produto e estudante não deve ser tratado como mercadoria. Caso contrário, se continuarmos aceitando tal “modernização” no sistema educacional pátrio, estaremos contribuindo para a formação de uma sociedade limitada, pois sem conhecimento, reflexão e questionamento não há progresso.  Duarte Jr. Mestre em Políticas Públicas pela UFMA e Presidente do PROCON/MA

A tecnologia como ferramenta para garantir direitos

É fácil reconhecer os benefícios que a tecnologia tem nos trazido ao longo dos anos. Avanços na medicina que permitem o diagnóstico e o tratamento de doenças que antes dizimavam populações. Os meios de transporte fizeram as distâncias parecerem mais curtas. O que se fazia com dias de caminhada, com o carro passou a se fazer em horas, e com o avião, em minutos. Com os meios de comunicação a mudança se tornou, talvez, ainda mais notória e sensível aos nossos olhos: correspondências que demoravam até meses para cruzar o oceano no tempo das grandes navegações e da colonização, agora são instantâneas para qualquer lugar do planeta, por meio de aplicativos de celular. Todos esses avanços são explicados pelo geógrafo Milton Santos como a construção do meio técnico-científico-informacional que se desenvolve após a segunda guerra mundial nos países do norte global e ganham amplitude para todo o planeta a partir da década de 1970, na origem do que se chamaria de globalização. Enquanto Karl Marx propugnava, no século XIX, a união dos trabalhadores de todo o mundo para a realização de uma revolução mundial em prol da igualdade e justiça social, quem se uniu foi o capital. A constatação desse desequilíbrio levou o presidente estadunidense John Kennedy, em 1962, a redigir uma carta ao congresso de seu país na qual afirmou que “consumidores somos todos nós! O único polo não eficazmente organizado, afetando e sendo afetado diariamente nas relações de consumo”. Enquanto os consumidores agem sozinhos e sentem na pele a vulnerabilidade causada pelo poder econômico, as grandes multinacionais, conglomerados financeiros, bancos, se associam e se organizam, ganhando força para desenvolver seus projetos de poder e de acumulação de riquezas enquanto o cidadão comum se vê nesse contexto cada vez mais à margem do processo decisório. Passa inclusive a ser limitado o seu processo decisório básico de como consumir, através da massificação das relações de consumo e dos contratos de adesão. Os bancos passam a usar como justificativa os canais digitais e tecnológicos para reduzir postos de trabalho promovendo demissões, pressionando o trabalhador bancário com um regime cada vez mais desgastante, e negando-se ao consumidor um atendimento digno e humanizado. Recorro aqui novamente a Milton Santos para dizer que a tecnologia deve ser utilizada não para segregar, mas sim para promover a inclusão e a dignidade da pessoa humana. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, lançado em 2015, já alertava para a importância de se aproximar de todas as pessoas, sem qualquer exclusão, para se alcançar o desenvolvimento.  “Não será possível alcançar o desenvolvimento humano se metade da humanidade é ignorada”. Ratificando, cada vez mais, que as políticas públicas não podem ser para poucos, devem ser das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas. Com base nesse pensamento é que buscamos em nossa gestão a expansão e descentralização dos serviços básicos de cidadania e de proteção e defesa do consumidor para todas as regiões do estado. Em 2014, havia apenas 5 unidades do Procon e 12 unidades do Viva para atender uma população de mais de 5 milhões de pessoas. Acreditando e trabalhando pela mudança, mostrando e demonstrando que não pode haver diferença entre a teoria e a prática, expandimos o Procon de 5 para 33 unidades (um crescimento de mais de 600%) e o Viva de 12 para 28 unidades (ampliando em mais de 100%), mesmo em um momento de grave crise e recessão econômica, racionalizando recursos, garantindo qualidade e eficiência. Por outro lado, não ignoramos o avanço tecnológico. Abrimos inclusive canais de atendimento pela internet com a possibilidade de formalizar denúncias e reclamações, inclusive com fotos, a qualquer hora do dia ou da noite pelo site ou aplicativo de celular (que já conta com mais de 190 mil downloads e quase 8 mil denúncias formalizadas). E agora temos também um aplicativo para agendamento de atendimentos do VIVA, permitindo maior planejamento e conforto para o cidadão. Com isso, demonstramos na prática, que a tecnologia não deve ser utilizada como forma de segregação e restrição ou negativa de direitos, mas sim para garantir direitos, melhorando a vida da população, e permitindo o acesso a todos os direitos fundamentais previstos em nossa constituição. Duarte Jr Presidente do PROCON/MA e do VIVA

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