Evicção e a Denunciação da lide: breve diálogo entre o Código Civil de 2002 e o vigente Código de Processo Civil.
Resumo A evicção, sem dúvida, é um tema complexo. Complexo uma vez que trata de direito material conexo com direito processual, em interdisciplinariedade. De certo, as bases repousam nas disciplinas Direito Civil e Direito Processual Civil. Não é raro se observar nos diversos manuais acadêmicos conceitos confusos ou tratando unicamente ou da parte civil ou da parte processual, o que não confere um bom entendimento sobre o assunto, fazendo com que não ocorra a compreensão e aprendizado pretendidos. O objetivo maior do presente trabalho, nesse sentido, é justamente aclarar as idéias recorrentes acerca da evicção, tanto em âmbito material quanto processual, como o caso do estudo conexo em relação à denunciação da lide, de forma didática e exemplificativa, levantando questões controversas e posições doutrinárias e jurisprudenciais, ou seja, aliar, o máximo possível, a teoria com a prática. Palavras-chave: Evicção; Denunciação da lide; Direito Civil; Direito Processual Civil; interdisciplinariedade. Introdução Para muitos estudantes de Direito, a evicção continua sendo um enigma a ser decifrado. Isso porque, em geral, é tratada de maneira um tanto quanto confusa, principalmente pelo seu caráter híbrido, pois possui cunho material e processual. Não seria de outro modo, a evicção, via de regra, dá-se ao final de um processo judicial ou, como considerado mais recentemente, de uma decisão administrativa. Insistentemente a matéria em geral é tratada de maneira isolada e sem exemplos práticos, ficando atrelada no mais das vezes à letra fria da lei. Assim, o objetivo do presente trabalho, é, portanto, a simplificação da compreensão do que seria a evicção, procurando solucionar algumas dúvidas básicas, bem como levantar o debate acerca de questões importantes que dela emanam, ou seja, fomentar o debate, a partir da clareza das idéias.[1] Considerações acerca da Evicção. O conceito clássico Conforme a definição de Marcus Cláudio Acquaviva (ACQUAVIVA, 1993), evicção tem por definição: “Do latim evincere, vencer, triunfar, desapossar. Perda total ou parcial de uma coisa, que sofreu seu adquirente, em conseqüência de reivindicação judicial promovida pelo verdadeiro dono ou possuidor. Perda total ou parcial do domínio, ou uso, de uma coisa em virtude de sentença, que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato, de onde nascera a pretensão do evicto. A garantia da evicção é obrigação que deriva diretamente do contrato. Por isso independe de cláusula expressa, e opera de pleno direito.” Na mesma linha de pensamento, autores da linha tradicionalista como Maria Helena Diniz (DINIZ, 2003) e Silvio Rodrigues (RODRIGUES, 2003) seguem a mesma esteira de raciocínio, a de que evicção é a perda da coisa em virtude de sentença. Silvio Rodrigues chega a afirmar que a evicção “resulta sempre de uma decisão Judicial” [2]. Ou seja, sob essa óptica, deverá necessariamente haver um processo judicial para ocorrer uma sentença que determinasse que uma pessoa perdesse a posse ou a propriedade de uma determinada coisa, móvel ouimóvel. Este conceito vem sendo modificado pela doutrina moderna, que, com base na jurisprudência atual, admite a ocorrência de evicção sem a necessidade de uma decisão judicial prévia, conforme se poderá observar no seguinte tópico. O conceito contemporâneo e as construções jurisprudenciais Autores mais modernos como Flávio Tartuce (TARTUCE, 2008), definem a evicção como “A perda da coisa diante de uma decisão judicial ou de um ato administrativo, que a atribuem a um terceiro”. Conforme ensaio de Ciara Bertocco Zaqueo (ZAQUEO, 2008), a doutrina não é uníssona em aceitar a chamada “evicção administrativa”, sendo que, segundo Arnaldo Wald (apud ZAQUEO, 2008), “alguns autores negam a responsabilidade pela evicção em caso de desapropriação ou apreensão do bem pela autoridade administrativa”, ou a apreensão pelas autoridades alfandegárias de automóveis que entram ilegalmente no país, havendo no caso responsabilidade dos vendedores pela evicção, sendo mero vício de direito, diverso da evicção. Não obstante a não unanimidade doutrinária, a Jurisprudência, todavia, tem admito a chamada “evicção administrativa, conforme julgado trazido a colação pelo exemplo de Flávio Tartuce (TARTUCE, 2008): Civil – Recurso especial – Apreensão de veículo por autoridade administrativa – Desnecessidade de prévia sentença judicial – Responsabilidade do vendedor, independentemente de boa-fé. (STJ, Acórdão: Resp 259.726/RJ (200000495557), 568304 Recurso Especial, data da decisão: 03.08.2004, Órgão julgador: – Quarta Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, Fonte: DJ 27. 09. 2004, p. 361) [4]. Assim, pode-se afirmar que a evicção está assumindo na atualidade, novas feições, por conta da sua feição de garantia inerente ao contrato, garantia essa por possíveis defeitos jurídicos, diferentemente da garantia por defeitos materiais relacionados aos vícios ocultos ou redibitórios da coisa. É uma responsabilidade de uma das partes contratantes, como forma de garantia para que a outra parte não venha a perder a propriedade da coisa transmitida, ou venham a causar embaraços ao uso da coisa. Esse é o fundamento da evicção, o que justificaria, prima facie, a ampliação da responsabilidade pela evicção, abarcando as perdas em virtude de decisão administrativa. É importante ressaltar que a evicção somente ocorre os contratos bilaterais, onerosos e comutativos. Traduzindo, somente ocorre em contratos em que ambas as partes tenham obrigações recíprocas, ambas sofram sacrifício patrimonial (como por exemplo, o pagamento de um preço ou a entrega de um bem, que configuram a saída de um bem do patrimônio do contratante) e ainda, que ambas saibam previamente, exatamente o que devem fazer para adimplir o contrato. Admite-se assim em contratos como a compra e venda, a troca, e até mesmo em determinados tipos de contrato de doação. Sim, pois há as chamadas “doações remuneratórias”[4], que ocorre, por exemplo, quando um médico opera gratuitamente um paciente, mas, por uma obrigação natural, o paciente doa, até o limite do valor da cirurgia, um objeto de valor ao médico. Como configura obrigação natural, o pagamento tem natureza onerosa, muito embora seja, em um primeiro momento, gratuita, razão pela qual caberá a alegação de vício redibitórios e evicção. Elementos subjetivos na evicção Os sujeitos envolvidos na evicção têm nomenclatura própria. Assim, antes de se adentrar nos exemplos práticos, cabe mostrar os nomes técnicos dos sujeitos envolvidos na evicção, conforme a lição de Flávio Tartuce (TARTUCE, 2008): O Alienante, que transferiu onerosamente a coisa viciada. Ou